domingo, 17 de setembro de 2017

Livre 'to move forward’?

Tenho andado a rever na Netflix a série Mad Men e a reler A Mancha Humana de Philip Roth. Don Draper e Coleman Brutus Silk são duas personagens fascinantes. Draper talvez seja a personagem com maior densidade e complexidade de uma série de televisão, e que eu pensava que só era possível alcançar nos melhores romances. Com Silk, Philip Roth conta de forma genial uma história da América, sobre liberdade individual, racismo e muito mais (a mancha também se refere à do vestido de Monica Lewinsky).
    
Ambos queriam ser senhores do seu destino. Ambos representam a liberdade individual de perseguirem os seus sonhos sem ficarem reféns de uma qualquer ordem social ou racial pré-definida por convenções sociais. Ambos entendem que a sua origem social, no caso de Draper, e racial, no caso de Silk, é um obstáculo à realização dos seus sonhos nesta vida. Ambos mudam de identidade. Draper (de facto Dick Whitman) toma a identidade de um colega morto na Guerra da Coreia. Silk, um negro de olhos verdes e tez clara, que passa muitas vezes por branco, renega a família, casa com uma judia e identifica-se também como judeu. Draper e Silk conseguem os seus objectivos e tornam-se homens de sucesso nas suas profissões.

O lema de ambos é ‘move forward’ e muitas questões morais se colocam em relação às suas opções. Draper renega o irmão e este suicida-se. Silk renega a família, onde era muito amado, e parte o coração da mãe. O seu irmão mais velho viria a ser professor e o primeiro director negro de uma escola, e um activista dos direitos civis. Nunca perdoou Silk.

Draper e Silk apaixonam-se por mulheres loiras com ascendência nórdica. Impressiona a importância que os americanos continuam a dar aos seus antecedentes: negros, escandinavos nas diferentes variações, judeus, germânicos… Silk não revela a Steena Palson, de origem islandesa, sem nunca mentir, que é negro – como lhe disse o treinador de boxe, ‘se ninguém te fizer a pergunta, não tens de responder…’. Quando está suficientemente confiante no amor deles decide apresentá-la à família. No regresso a casa ela confessa-lhe que ‘não pode’ – os pais nunca aceitariam. A revelação da sua origem tirou-lhe o seu grande amor. Pouco tempo depois casaria com uma judia, com quem teria quatro filhos brancos (os deuses pareciam apoiar a sua decisão de se tornar branco) e assumiria a sua identidade de judeu até morrer, em 1998. No entanto, suprema ironia, uns anos antes tinha sido expulso da universidade, onde ensinou durante 40 anos e onde foi reitor, em resultado de uma acusação de racismo por duas alunas negras (que alguns atribuíram a antissemitismo…).

Também Draper decide nunca contar a Betty Hofstadt (uma espécie de ‘Grace Kelly’), de origem alemã, a sua verdadeira identidade. Porque sabia que ela nunca o aceitaria: filho de uma prostituta que morreu quando ele nasceu, criado na miséria pelo pai proxeneta e que mudou de identidade. O pai de Betty nunca o aceitou, por ser um homem sem família. Draper está constantemente a relembrar e a ser confrontado com o seu passado. Ele chegou onde não imaginava que pudesse chegar (nem sabia que era possível chegar). Tornou-se numa pessoa muito diferente, mas esse passado muito diferente continua a fazer parte dele. Às vezes só para marcar um caminho muito diferente a seguir. 

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