quarta-feira, 24 de maio de 2017

Olhos, ovos, e pornografia

Quando andava no nono ano de escolaridade, falhei um teste vocacional. Não sei bem como se sabe que uma pessoa falha coisas destas, mas o certo é que a psicóloga me mandou ir ao oftalmologista porque suspeitava que eu precisava de óculos. Fui e precisava; fiz o teste e passei. A minha vocação é contabilidade. 


Usei óculos até aos 25 anos, altura em que me mudei permanentemente para os EUA e, na minha residência universitária, reparei que não conseguia identificar as pessoas que se aproximavam vindas do fundo do corredor. Era um bocado aflitivo olhar para alguém e não o reconhecer, mas se tirasse os óculos não tinha esse problema. Então deixei de os usar. 


Mais tarde, em 2004, quando mudei de emprego, tive uma secretária muito profunda e passava bastante tempo a programar em GAMS. Tive a brilhante ideia de enfiar o écran do computador bem no fundo da secretária para ter mais espaço para ter cadernos e livros. Foi uma das piores ideias que tive, pois passados uns meses os meus olhos começaram a picar bastante. A certa altura, fechá-los tornou-se doloroso até -- pensei que fosse ficar cega. Marquei uma consulta para um oftalmologista e a médica foi muito simpática, fez-me um exame muito rigoroso, e concluiu que eu tinha os olhos muito secos. Quão secos? Mais secos do que as pessoas de idade avançada que eram seus pacientes. Deu-me ordens para fazer mais intervalos enquanto trabalhava com o computador e de, de vez em quando, colocar uma compressa húmida quente sobre os olhos, pois o calor estimulava a produção de lágrimas boas -- aquelas que são hidratantes. 


Perguntei à médica se eu via bem e ela disse que sim, havia um bocadinho de estigmatismo, mas como não tinha sido corrigido, o meu cérebro tinha compensado (sou como os mercados: eficientemente ineficiente). Fiquei contente de não precisar mais de óculos e costurei umas bolsas de pano, com grãos de arroz lá dentro, para ter no escritório, aquecer no microondas, e colocar sobre os olhos de vez em quando. Achei mais prático do que usar compressas húmidas. 


Até há poucos anos, à parte da minha tendência para ter os olhos secos, nada mais notei; mas recentemente, noto que já não consigo ver muito bem quando estou a ler algo em letra pequena. No outro dia, não conseguia ver o rótulo da lata de atum Sta. Catarina (dos Açores), para ver quantas calorias tinha. Isto é muito importante porque eu leio sempre os rótulos de tudo -- é um vício meu. 


Hoje quando estava na loja ao pé dos ovos, notei que havia uma marca nova de ovos. Fiquei curiosa e comecei a ler o pacote. Li "Porn free" e pensei "Por que razão é que os ovos estão livres de pornografia? Que coisa mais estranha..." Voltei a olhar para o pacote e desta vez foquei mesmo os olhos no que dizia: "Born free". Ah, sim, mas estes ovos não são, nem nunca serão, nascidos, pensei...



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