quinta-feira, 30 de março de 2017

Depois, queixem-se

Para que o populismo floresça, tem de haver uma oferta e uma procura. Quando os nossos analistas dizem que não há populismo em Portugal, estão a olhar apenas para o lado da oferta. Esquecem-se do lado da procura. Até ver, não há de facto líderes ou partidos políticos que utilizem o discurso populista por excelência, do “nós, o povo real e puro, contra a elite corrupta, que pensa apenas nos seus próprios interesses”. Mas só um cego é que não vê sentimentos populistas no seio da população, sentimentos, aliás, bastante antigos e com uma longa tradição. A ideia de que “eles” não estão lá para governar, mas para se governarem está bem entranhada na sociedade portuguesa. Este sentimento populista pode estar adormecido, ser apenas latente, mas está lá, disso não tenhamos dúvidas. Para que seja activado, são necessárias duas ou três coisas. Primeira, que apareça a tal oferta, sob a forma de um líder ou partido ou movimento populista. Segunda, que se espalhe e interiorize, por exemplo, a ideia de que existe uma corrupção sistémica e que não há consequências, ou seja, o sentimento de que a justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes. Por isso, neste momento, o desempenho da justiça é mais importante do que nunca. Mas há outros rastilhos.

Os partidos tradicionais portugueses (em especial o PS), à semelhança do que aconteceu por essa Europa fora, andam a brincar com o fogo. Quando as coisas correm bem, os méritos são do governo; quando correm mal ou não podem cumprir certas promessas, a culpa é da União Europeia, que os obriga a fazer coisas contra a sua vontade. Esta atitude não é séria. Ao invés, os partidos deviam admitir claramente as limitações do seu poder e explicar que essas limitações advêm de concessões feitas à EU por esses mesmos partidos no passado. Mas não. Com o objectivo de ganhar votos no presente, estão inadvertidamente a alimentar ressentimentos futuros em relação à UE. E é deste tipo de ressentimento que se alimenta em grande parte o actual populismo na Europa. Depois, queixem-se.

3 comentários:

  1. Cavaco Silva sempre se apresentou contra os políticos, elites etc., mas depois não praticava. o cds/pp já andou muito perto desse discurso do povo, mesmo povo, quando o srº paulo portas ia a mercados/feiras e se apresentava como o partido defensor do contribuinte, reformado, pensionista, era contra a EU, etc., mas depois também não praticou quando esteve no governo. não me admirava nada que esse discurso regressasse agora pela voz de uma dona cristas, digo, parece-me mesmo que anda já por aí.
    só o srº cavaco encontrou procura, mas já houve oferta.

    rui

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  2. Infelizmente tem toda a razão,andam a brincar com o fogo,a culpa é sempre dos outros..

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  3. "Até ver, não há de facto líderes ou partidos políticos que utilizem o discurso populista por excelência, do “nós, o povo real e puro, contra a elite corrupta, que pensa apenas nos seus próprios interesses”."

    Ah, bom! Nessa definição, será difícil encontrar exemplo de atitude populista mais genuína do que a campanha anti-Sócrates que o complexo judicio-correio da manhã-comentarismo de pseudodireita alimentou nos últimos anos e que nesta casa encontra praticantes. Foi um choque ver Nuno Garoupa, no DN desta semana, com falinhas mansas e subreptícias, alinhar nessa fanfarra. Ao aplaudirem o avacalhamento da instituição judicial, encorajando a criminosa transferencia de julgamentos para a praça do pelourinho, têm dado um contributo não diminuto para que se "espalhe e interiorize a ideia de que há uma corrupção sistémica". É o triunfo do Todos são populistas e corruptos menos eu.

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