quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Declarações à padeiro

Nuno Carvalho, um dos donos da cadeia 'Padaria Portuguesa', parece ser um apoiante ferveroso de uma maior flexibilização do mercado de trabalho. Está bem de ver. Com despedimentos mais fáceis, pode disciplinar-se melhor a força de trabalho, premiando o mérito e punindo a incompetência. A resposta pública a estas declarações, amplamente negativa, mostra a imensa ironia da premissa do empresário. Num mercado laboral com a natureza proposta pelo senhor Nuno Carvalho, a posição dele enquanto gestor (e enquanto dono, mas em menor grau, admito) estaria em risco. As declarações que fez publicamente teriam um custo elevado para a empresa que tem à sua (co-) responsabilidade. O que, num mercado laboral liberalizado, teria um custo para ele próprio, enquanto gestor.

Não é preciso ser um génio para compreender a natureza deste fenómeno. Há empresas de restauração no país que me acolhe que entenderam há muito tempo as vantagens de se colocarem publicamente no outro lado da barricada, face ao lado que Nuno Carvalho ocupa com tanta confiança. O pret a manger, uma cadeia gigantesca de fast food "saudável", cresceu com base numa estratégia de marketing que incluia a promessa de pagar mais que a média aos seus empregados, e os tratarem de uma maneira urbana. No seu site, ainda hoje em dia referem que os "Team members at Pret work hard, have fun, wear jeans, learn a lot and really grow. 78% of our Managers started as Team Members." . A Innocent, uma espécie de Compal, refere no seu site que "we want to create a business we can be proud of. So to make this happen, we need brilliant people who inspire and deliver change all around them. That's why we're always looking for talented, ambitious and altruistic folks to come and join us." São vários os exemplos de empresas deste tipo que fazem publicamente promessas semelhantes. Estranhamente, não há referência à vontade de pagar salários o mais baixo possíveis, e à necessidade de poder despedir com facilidade. Bons gestores compreendem que os seus clientes, além de se preocuparem com os preços que pagam pelos bolos, não se querem sentir culpados por estarem a patrocinar sweatshops. Maus gestores não compreendem isso, e lesam os interesses das suas empresas. Num mercado laboral de gestores que fosse competitivo, não teriam lugar. Infelizmente, a Concorrência é um problema sério em Portugal, e isso reflete-se no à-vontade com que os gestores de topo fazem disparates grosseiros, sem punição.

E, esse sim, é um problema sério a resolver, e que é responsável pelo atraso económico português. Bem mais que os coitados que ganham menos de 600 euros. 

20 comentários:

  1. Os mercados são feitos pelos consumidores. É através das suas escolhas que evoluirão para oligopólios multiplicadores de desigualdade ou para sociedades mais justas e com mais diferentes opções.
    http://www.lefigaro.fr/conso/2016/10/17/20010-20161017ARTFIG00149-le-lait-au-prix-fixe-par-les-consommateurs-arrive-chez-carrefour.php

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    1. Não tenho tanta fé assim no voto com os pés, mas sim, é um bom princípio, NG.

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    2. O meu irmão anda há anos a tentar vender a ideia de os consumidores participarem na conservação da natureza através do preço que atribuem aos produtos que incorporam essa conservação, como, por exemplo, pagando mais caro cabrito produzido em zona de lobo para compensarem as perdas dos rebanhos. Cá para mim ainda está muito longe disso.

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  2. Não é comparável. Nos EUA também falam em tratar os empregados bem porque se não o fizerem, eles dão à sola. O mercado de trabalho é tão flexível que o custo para os empregadores não é o de ter trabalhadores incompetentes dos quais não se podem livrar, mas sim o de ter trabalhadores muito competentes que estão sempre a ser cortejados ou tentados por outros empregos.

    Num mercado flexível, trabalhar mal tem um custo para o trabalhador, pois fica com más referências para conseguir empregos melhores e promoções.

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    1. A que te referes, Rita? Quando dizes que não é comparável.

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    2. Eu pensei que o mercado de trabalho inglês fosse mais flexível do que o português. Quando tens um mercado mais flexível, os custos dos patrões não são tanto da incompetência dos trabalhadores, mas sim da rotatividade. Um mau trabalhador é despedido mais depressa e um bom trabalhador encontra um emprego melhor mais facilmente num mercado flexível. O interesse dos patrões é atrair pessoas boas, que não queiram sair do emprego. Num mercado de trabalho inflexível, o patrão quer desencorajar os maus empregados de se candidatarem. Ou seja, não me convenceste que a forma como o senhor da padaria fala é causa dos problemas do mercado de trabalho português; acho mais consistente com ser consequência. Mas admito que há muito maus patrões em Portugal, mas também os deve haver no RU.

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    3. Na prática, para todos os que não arranjaram emprego "há 20 anos", o mercado de trabalho já é bastante liberalizado. As alterações às leis laborais significam que entre "período de experiência", "contratos a prazo" e "prestação de serviços" praticamente nenhum dos contratados nos últimos anos tem o chamado "vinculo estável". E mesmo para esses o custo de despedimento individual já é actualmente muito mais baixo do que foi (o do despedimento colectivo sempre foi dos mais baixos da Europa). Assim, Portugal tem simultaneamente uma legislação laboral aparentemente restritiva com um mercado de trabalho que "ajusta" muito rapidamente, como se viu durante a os anos da troika.

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    4. "Ou seja, não me convenceste que a forma como o senhor da padaria fala é causa dos problemas do mercado de trabalho português; acho mais consistente com ser consequência.".

      Rita, então devo ter-me explicado mal. Eu também acho que é a consequência. Era esse o ponto do meu post - que era irónico, porque aquilo de que se queixa, é o que o mantém lá.

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    5. Caro Luís, se o consumidor português pensasse nisso, o Continente já teria fechado pelo que não é nada o caso...

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  3. Talvez devas considerar a hipótese de os consumidores do Reino Unido serem diferentes dos de Portugal.

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    1. Pelas reações que tenho visto, talvez não sejam assim tão diferentes.

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  4. Bem, eu por acaso leio aquele "altruistic" citado ali em cima como: estamos sempre à procura de empregados talentosos, ambiciosos e que não se importam de se matar a trabalhar por um salário de merda... ;-)

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    1. A innocent também me parece pagar bem. São marcas que vendem essa ideia de que são eticamente mais responsáveis e não estão aqui para só sacar dinheiro. O que, obviamente, é uma estratégia de maximização de lucro que funciona quando os clientes se preocupam ativamente com estas coisas da ética.

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    2. Pois eu não consigo levar estas coisas muito a sério (estas coisas, quero dizer, o que as companhias dizem e as preocupações com a ética dos clientes). Palavras, leva-as o vento.

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  5. Ó Luís, afinal parece que este também leu os mesmos livros que os outros... Não vi o vídeo porque tenho uma internet horrível e não estou para estar à espera, mas esta transcrição não desmerecia do Pret a Manger:

    “Para crescermos em número de lojas e volume de negócios temos necessariamente que crescer em talento. Temos bem ciente, desde o primeiro dia, que somos um negócio de pessoas para pessoas, estando o nosso sucesso alicerçado na qualidade dos nossos colaboradores”

    https://www.dinheirovivo.pt/carreiras/ponha-as-maos-na-massa-padaria-portuguesa-quer-recrutar-300-colaboradores-ate-2016/

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    1. Certo! Mas o pret, durante muito tempo, anunciava mesmo que pagava mais que os seus concorrentes. Estes anunciam que querem pagar menos.

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    2. Acho que está a misturar o anúncio numa publicidade com a resposta a perguntas numa entrevista. Que eu não ouvi, aliás, nem consegui ler a entrevista do Expresso. Mas do que tenho lido para aí não me parece que corresponda a "Estes anunciam que querem pagar menos".

      Numa coisa lhe dou razão: a vastíssima maioria das pessoas que vociferam contra a PP nas redes sociais dizendo que nunca lá mais põe os pés etc e tal nunca na vida se preocupou com as condições de trabalho do senhor Manel do café onde costuma ir, se o patrão cumpre a legislação laboral, etc, etc. Nem tenciona preocupar, que isso de mudar de hábitos é uma chatice.

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  6. O artigo vem dar ênfase a um aspecto que tem sido pouco abordado. Pois... Até na "Concertação Social" são "patrões" sem sequer terem o brio de se apresentarem como empresários. Coisas de leis em vigor e de mentalidades implantadas no Estado Novo e no que veio a seguir.
    PS
    Luís, chegou a fazer a experiência de usar o guião de actualização do cartão de cidadão, através da via on line?

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    1. Isidro, quando estive em Lisboa no Natal fui à loja do cidadão e iniciei o processo para mudança de morada. Enviaram-me uma carta para casa e agora teria dois meses para, com o PIN fornecido na carta, validar a mudança. Infelizmente, preciso do leitor de cartões. O que é muito cómico é que, se pedir um cartão novo, em Lisboa, não preciso de provar morada nenhuma. Mas, para mudar a morada, é preciso esta validação. Mais uma das várias coisas incompreensíveis na nossa administração pública. Mas obrigado por perguntar.

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    2. Luís, quer quando tirei o CC pela primeira vez, quer quando o renovei, tive de fazer essa validação, a qual se destina a assegurar que o cartão está com o seu titular, não com um intruso.

      Quanto ao leitor de cartões é coisa de 10 ou 15 libras, disponível em qualquer parte do mundo e, querendo, poderá ser-lhe útil em outras situações. A minha curiosidade é a mesma de sempre – se se consegue mesmo fazer isso tudo on line.

      Não me lembro bem do que me levou a evitar o percurso on line, preferindo ir pessoalmente. Todavia, quando da renovação, eu já sabia que a Rita tinha falhado por ter esgotado as três tentativas previstas. [Fiquei a supor que se tratou de um problema com o browser, possivelmente parecido com os que já tive na ligação a um ou outro sítios web - num deles, de uma empresa privada que eu julgava ser de ponta, tive de usar um browser que, por ser considerado mau, eu deixara de usar há alguns anos – até perguntei ao operador se era uma instrução a sério ou ironia].

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