sábado, 21 de janeiro de 2017

A popularidade dos populistas

O Nuno Garoupa tem escrito alguns textos interessantes sobre o populismo. De acordo com a definição que utiliza do termo, Portugal, em princípio, estaria nos próximos tempos imune a este espectro que ronda o resto do mundo ocidental. Talvez. Desgraçadamente, não há nenhuma definição consensual sobre este conceito. De qualquer maneira, o Nuno utiliza dois critérios para o definir ou circunscrever. Primeiro, a oferta de respostas simples para problemas complexos, ou seja, a existência de uma componente demagógica - um populista é sempre um demagogo, embora nem sempre o contrário seja verdade. Segundo, um discurso antissistema - contra as elites do poder. Ora, com base nestes critérios, não vejo como é que se pode excluir o Bloco e o PCP dos movimentos populistas que abalam o mundo. Renegociar a dívida ou a saída do euro não são respostas simples para problemas extremamente complexos? Detestar o capitalismo, a democracia liberal, os empresários (vulgo “capitalistas”) não é estar contra o sistema? Talvez o Bloco e o PCP não sejam neste momento populistas, mas então, a meu ver, esta definição de populismo está incompleta.
Em entrevista ao "Observador", Jan-Werner Müller descarta o discurso antissistema (que, segundo o autor, até pode ser visto como salutar) ou o discurso sobre certas temáticas (a emigração, por exemplo) como sintomas do populismo. A característica principal de um populista é apresentar-se como o único representante legítimo do “verdadeiro povo” (seja lá o que isso for) - só ele pensa e fala como o “povo real” pensa e fala. De acordo com Müller, Bernie Sanders ou o Podemos não representam movimentos populistas, porquanto não se apresentam como os únicos representantes legítimos da “maioria silenciosa”. Isto parece-me altamente discutível.

Penso que em todas estas definições de populismo falta acrescentar um ou dois elementos essenciais: a promessa do exercício directo do poder pelo "povo" - o povo da rua ou as bases de um partido, por exemplo – e a centralização do poder num chefe. Estes dois elementos estão interligados. Do “poder directo” do povo decorre a negação ou enfraquecimento do princípio da representação e, regra geral, desemboca em poderes autoritários ou ditatoriais. O “poder directo” leva ao apagamento das estruturas intermédias, com alguma liberdade e independência pessoal. A ligação directa ao "país real” permite, assim, que o chefe diga tudo e o seu contrário. O populismo não tem um verdadeiro programa. Ou só tem um programa: explorar o descontentamento popular. Estes movimentos estão condenados a falhar em sistemas sólidos e prestigiados. Em sistemas com classes políticas medíocres e desacreditadas, com largas franjas da população a sentirem que a “oligarquia” ignora os seus problemas e preocupações e, ao mesmo tempo, dita as regras do jogo a seu favor, estes movimentos são extremamente perigosos. O problema é que os populistas são, de facto, populares. E a sua popularidade é um sintoma de uma doença grave do sistema. Em vez de insultar os eleitores que votaram em Trump ou atribuir poderes extraordinários a Putin e à Rússia nos resultados das eleições americanas – exercícios feitos com uma enorme ligeireza e que, de caminho, desacreditam ainda mais a democracia -, talvez os verdadeiros democratas devessem começar por tentar perceber de onde vem a popularidade dos populistas.

4 comentários:

  1. "Ora, com base nestes critérios, não vejo como é que se pode excluir o Bloco e o PCP dos movimentos populistas que abalam o mundo"

    Penso que o motivo para excluir o PCP é o segundo ponto - o PCP não cultivaria muito o estilo "nós contra a classe política instalada"

    "Penso que em todas estas definições de populismo falta acrescentar um ou dois elementos essenciais: a promessa do exercício directo do poder pelo povo - o povo da rua ou as bases de um partido, por exemplo – e a centralização do poder num chefe."

    Penso que nenhum dos dois é essencial (e o segundo excluiria provavelmente partidos como o Syriza, o Bloco de Esquerda e afins, que funcionam como federações de tendências em que os lideres tem que frequentemente fazer complexas negociações, e por vezes nem têm lideres formais, ou vários ao mesmo tempo).

    A parte da "promessa do exercício directo do poder pelo povo" acho que nem é muito frequente no populismo mais clássico - esse populismo parece-me basear-se mais numa identificação emocional entre o líder e o povo do que propriamente em entregar o poder ao povo (o ponto costuma ser mais ter "um homem do povo" a mandar do que propriamente o povo; um exemplo extremo talvez seja o miguelismo, que combinava um estilo popular, por contraponto às elites liberais "estrangeiradas", com a defesa de um regime - monarquia absoluta - é que o povo não ia mandar nada); e penso que políticos como Trump, Perón, Huey Long, Getúlio Vargas, etc, nunca prometeram coisas do género governar por referendo (já Chavéz, Napoleão III, etc., sim), o discurso costuma ser muito mais "mudar os jogadores" do que "mudar as regras do jogo (não tanto "o povo não precisa de representantes e pode exercer diretamente o poder" mas mais "o povo não se pode deixar mais enganar, e tem que escolher representantes - ou um representante - que defendam verdadeiramente os interesses do povo em vez de funcionarem como uma capelinha ao serviço deles próprios").

    A respeito da centralização do poder num lider - como disse atrás, não me parece que seja fundamental; mas admito que um certo tipo de populismo quase inevitavelmente vem com o lider carismático atrás, sobretudo exatamente quando o discurso se baseia menos em promessas de mudanças estruturais e mais no ponto "os outros são todos um bandidos e nós não" (já que aí as qualidades pessoais dos dirigentes, em vez da ideologia, tornam-se o centro de tudo)

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  2. Não digo que no populismo não haja a tal identificação do líder com essa entidade chamada “povo real”, ou discurso antissistema, ou doses industriais de demagogia; há, claro que sim. Mas também em parece fundamental a tal promessa do exercício directo do poder. Atenção, não estou aqui a pensar em referendos, estou a referir-me à supressão ou desvalorização do poder representação, sobre o qual se fundam regimes como o nosso. Dentro dos partidos, por exemplo, isso implica a supressão de poderes intermédios, com alguma autoridade própria, situados entre as bases e os líderes, e que servem de filtros. Esse exercício directo do poder desorganiza e pulveriza as estruturas de poder e, por isso, tudo acaba por se centralizar no líder, que é quem tudo decide.

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  3. definir 'povo' é um bico d'obra. são os que estão afastado do poder e da acção/efeito do poder na sociedade, esquecidos? quem fala para estes e ganha eleições é populista (se ganha terá tido mais votos e isso é a democracia)? a simplicidade é populista? é demagógica? o 'povo' é idiota e não consegue distinguir as bestas dos bestiais?
    se o 'sistema' instalado me é desfavorável porque votar para o manter?

    não havendo a definição exacta de povo (pelo menos aqui não é dada) colherá sempre a acusação de populista aplicada a todos os partidos num momento ou outro da sua história.

    seguindo o raciocinio da posta: o pcp e o be não podem ser populistas porque neles há estruturas intermédias e em nenhum dos casos há centralização no líder. o populista não é contra a representação, mas sim contra a representação que nunca o representa.

    é populista a constituição americana: para o povo pelo povo ...?

    rui

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    1. O povo somos todos nós, o "povo real ou verdadeiro" é que ninguém sabe o que é. Sim, tem razão, de acordo com estes critérios o PCB e o Bloco não devem ser considerados populistas, embora vislumbre algumas pulsões populistas na Catarina Martins. Para mim, quando se fala em populismo, o enfraquecimento do poder de representação, sobre o qual se funda um regime como o nosso, é mesmo a maior ameaça. Esse enfraquecimento resulta do tal apelo ao exercício directo do poder. Saber falar ao povo, auscultando e entendendo primeiro os seus interesses e preocupações, não torna um político populista, pelo contrário, faz parte das suas funções. Como não se é populista por simplesmente se ser popular. Mas um populista não está na realidade preocupado em resolver os problemas do povo, quer apenas explorar o descontentamento popular, sem se preocupar com as consequências do exercício; regra geral, não assume nenhum compromisso claro em relação ao futuro ou assume tantos que acabam por se anular uns aos outros. É um demagogo, que promete dar força ao povo em detrimento de uma oligarquia, e que acaba por exercer o poder de forma autoritária, uma vez instalado no governo. É isso, pelo menos, que a história nos mostra, tanto em movimentos que nasceram à esquerda como à direita.Outro ponto importante é que estes movimentos só têm sucesso quando uma parte substancial da população sente que a oligarquia ignora os seus interesses e se aproveita do sistema para seu próprio benefício.

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