quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Portugal precisa de outra direita

O OE17 apenas veio confirmar aquilo que todos sabemos – o país está estagnado e condenado a impostos, cortes orçamentais, taxas e taxinhas durante muitos anos. Portugal precisa de mudar de vida ou de encarar um empobrecimento sustentado. Mas para mudar de vida, o país precisa mesmo de uma direita reformista (que me desculpem os puristas da linguagem, mas no meu léxico “direita” é todo o espaço politico à direita do PS). O PS é naturalmente o partido do status-quo, a matriz fundamental do regime. Dele não podemos esperar qualquer reformismo. Os partidos à sua esquerda defendem reformismo, mas de outra espécie, da espécie que não nos interessa (salvo para quem tem a Grécia, Cuba ou Venezuela como modelo). Resta, pois, a direita como movimento reformista. Sem reformismo, o país não muda. E se a direita não muda, não há reformismo possível.

A “atual” direita não tem votos, não tem programa e não tem visão. 

Comecemos pelo óbvio. Se a direita tivesse votos, governava. Se está na oposição, é porque lhe faltaram os votos necessários nas eleições do ano passado. Mais concretamente, 700 mil. A“atual” direita está reduzida a uma expressão eleitoral mínima, os tais 2 milhões de votos que nunca lhe falham. As sondagens mostram que, mesmo assim,continua a perder votos. E os resultados dos Açores apenas confirmam isso …entre o ano passado e o domingo passado passou de 37,5 mil votos para 35,5 mil votos. Mas há pior. Há a nova geografia eleitoral. Com a abstenção crescente do eleitorado infiel (que desistiu de votar), cada vez mais as eleições são decididas pela mobilização do eleitorado fiel. Acontece que, se votam apenas os fiéis, a direita é sociologicamente minoritária (2 milhões contra 1,9 milhões de PS/BE e 400 mil da CDU).

A “atual” direita não tem programa. Amortizado o discurso ridículo da legislatura roubada (que anima apenas os convencidos), resta a oposição leviana, o bota-abaixo, quando não os insultos e a boçalidade da claque. Já defendi o espírito de Ofir. Propostas para abrir uma reflexão, a construção de um programa reformista, os Estados Gerais da direita não faltam (ver os documentos do Pedro Braz Teixeira e do Norberto Pires, por exemplo). Mas a “atual” direita insiste na velha receita – dizer mal do governo e esperar pelo seu natural apodrecimento. Desta vez, suspeito que não vai chegar.

Dois exemplos:

(1) A CRESAP foi uma boa ideia, mas totalmente destruída pelos aparelhos partidários do PSD e do CDS. Sabemos agora que o PS naturalmente optou pela solução de continuidade. Seria bom que a direita pensasse como reformar a CRESAP, afastando definitivamente os seus aparelhos partidários. E se não é possível, então que tenha a coragem de defender a sua extinção.

(2) A direita defende, e bem, um modelo de Estado-regulador em detrimento do Estado-intervencionista do PS. Infelizmente o Governo PàF pouco fez pelos reguladores. Menosprezou (AdC, ERSE), governamentalizou (BdP), ignorou (CMVM, ANACOM, ERC). Fez uma lei-quadro que nada mudou (apenas para troika ver) e com um conjunto de princípios dos quais fugiu na primeira oportunidade (reconduzindo o Governador do BdP). Com as recentes nomeações para o BdP e CMVM, também já percebemos que o PS opta pela continuidade. Seria bom que a direita tivesse uma proposta de reforma profunda dos reguladores. E, se tal não existe, que tenha a coragem de defender o regresso do modelo das direções-gerais, porque o atual ordenamento não serve para nada e sempre poupávamos na despesa.

A “atual” direita não tem visão. As duas vezes que governou, em 2002-2005 e 2011-2015, ambas nos “intervalos” do PS, foram oportunidades fracassadas, porque insistiu que é possível mudar a economia sem mudar as instituições. Deveria ter aprendido a lição. Para mudar as instituições é preciso ter um programa consistente e exigente, uma equipa, credibilidade, confiança e liderança. E um mandato claro. Sem mudar as instituições, não há mudança da economia. E sem mudança da economia, o país não muda.

O país precisa urgentemente de uma direita com votos, com programa e com visão. Precisa certamente de “outra” direita.

7 comentários:

  1. ora direita ora esquerda, cada um empurra o lixo para debaixo do tapete. cada facção assume uma postura de claque, única e exclusivamente com o intuito de ganhar a próxima eleição e colocar seus muchachos nos mais variados pontos estratégicos.

    enquanto a classe política não assumir compromissos sérios e duradouros com plataformas de entendimento que vão para lá de cada legislatura não vamos a lado nenhum. é uma vergonha as constantes alterações a cada OE apenas para agradar a eleitores e clientelas.

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  2. Caro Nuno Garoupa, pese embora concordar com os dois pontos no seu texto não posso deixar de perguntar se a sociedade Portuguesa aceita seja que direita for. Os valores de direita são a total antítese do que os Portugueses são. Liberdade com responsabilidade, enriquecimento, destaque, superação, diferenças sociais advindas dos méritos de cada um e a própria meritocracia, tudo isto são anátemas para a sociedade Portuguesa. Poderiamos continuar neste registo mas parece-me que apenas estes poucos pontos chegam para que se perceba onde pretendo chegar.

    Aceito e concordo que a direita Portuguesa é muito fraquinha. Mas pode alguma direita, seja ela qual for, medrar na sociedade Portuguesa? Duvido. Sinceramente duvido. Manuel Monteiro tentou-o e viu-se o tremendo fiasco que foi. Os eleitores rejeitam os valores basilares das políticas de direita.

    Não tenho quaisquer ilusões quanto a isto. O que há é o que há e a sociedade Portuguesa não consegue ir mais além do que é e ancestralmente sempre foi. Por muito bons quadros que tivesse um partido de direita nunca teria qualquer votação expressiva. Aliás, um partido de elites em Portugal seria sempre visto como o partido «dos grandes», daqueles que boa parte dos eleitores Portugueses acha que são todos um bando de gatunos, alvos a abater. Nunca, de todo em todo, conseguiria um partido assim ter êxito na sociedade Portuguesa.

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    1. Eu concordo que a sociedade portuguesa é genericamente contrária à mudança. Penso que haverá raízes históricas, religiosas, culturais (ruralismo tardio) para isso. Não surpreende, pois, que os maiores partidos, capturados pelos interesses corporativos, sejam excessivamente pro-status quo. Como em qualquer momento da nossa historia contemporânea, existem bolsas “reformistas” na nossa sociedade. Algumas vezes estiveram unidas no mesmo projeto politico. Foi o caso da AD ou do cavaquismo, onde o PSD juntava os setores mais dinâmicos da nossa sociedade com gente muito conservadora. Evidentemente que esses governos ficaram aquém porque, na verdade, eram uma coligação de reformistas com situacionistas e conservadores. Depois de 1995, nunca mais a direita conseguiu mobilizar os reformistas e, sempre que o PSD voltou ao poder, cedeu aos situacionistas (aparelho partidário) e conservadores (favoráveis ao status-quo). Por outro lado, sendo o reformismo naturalmente minoritário em Portugal, poderíamos pensar que um partido como o CDS seria o poiso ideal para agregar esse grupo uma vez que influenciaria a governação sem as preocupações de um catch-all party. Com Portas, o CDS acabou por se transformar num partido situacionista, de clientelas conservadoras, sem qualquer ambição de reformar seja o que for (sabemos aliás que, nas eleições de 2011, o CDS dizia que o PSD era um perigoso partido neoliberal). Por isso, o CDS hoje não serve para absolutamente nada. Não tem razão de existir politicamente porque é apenas um PSD pequenino. Tudo se resumo a um concurso de beleza sem qualquer produção de ideias distintas.

      A minha preocupação não é com o PSD ou o CDS, a tal direita fraquinha como diz. Em 2002-2005 e 2011-2015 as coisas não correram bem porque não havia roteiro de reformas. Espanta-me que tanta e tanta gente defenda que continuemos na mesma. Inevitavelmente PSD e CDS voltarão ao poder. Daqui a dez anos. Com outras caras. Mas se não há um roteiro de reformas trabalhado e estudado, fica tudo na mesma. Outra vez. Uma tristeza.

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    2. Caro Nuno, o ponto do meu comentário não era apenas a resistência à mudança embora essa também seja bem real. É mesmo resistência ao que são os valores de direita. O individualismo, o enriquecimento, a meritocracia e outros mais por estas linhas.

      Conhece o fabuloso texto de Vítor Bento chamado Síndrome da Sebe? Penso que retrata admiravelmente uma das facetas mais marcantes da sociedade Portuguesa e que, entre muitos outros efeitos negativos, impede soluções de direita em Portugal. A sociedade Portuguesa simplesmente não as aceita.

      O link para esse fabuloso texto: http://www.sedes.pt/blog/?p=325. Devo dizer que gosto tanto que já o traduzi para inglês e francês e tenho-o enviado a vários amigos pelo mundo fora quando vem a propósito.

      Sendo este, claro, apenas um factor entre muitos que impossibilita reais alternativas de direita.

      Concordo com as raízes históricas que aponta mas há certamente mais do que isso. Há uma ancestralidade Portuguesa que se formou assim e assim continuou. Espanha tem raízes muito similares às Portuguesas, maior influência da igreja católica até, mas produziu, ainda assim, uma sociedade muito, muito diferente da Portuguesa. E, neste campo, uma sociedade muito mais à direita do que a sociedade Portuguesa.

      Voltando agora à resistência à mudança, fulcro da sua réplica, note, Nuno, estou plenamente de acordo consigo nisso também. A sociedade Portuguesa abjura a mudança. Porém, sendo uma mudança esquerda lá vai aceitando e até aplaudindo. Atacar os de maior mérito, os de maior riqueza, nivelar toda a gente ainda que por baixo, isso a sociedade Portuguesa aceita e, atrevo-me a dizer, deseja, até. E aceita porque é essa a ancestralidade dos Portugueses. Mudanças no sentido de ir mais além, essas são peremptoriamente recusadas.

      Termino manifestando a minha concordância com o seu último parágrafo ainda que, parece-me, terá esta minha posição ficado subentendida anteriormente. Claro que PSD e CDS não serão a face da viragem à direita do país nem serão nunca verdadeiros partidos de direita. Também porque sabem que se o fossem perderiam eleitores em catadupa. Foi o que aconteceu ao CDS com Manuel Monteiro e a sua tentativa posterior, a Nova Democracia, tinha meia dúzia de gatos pingados. A sociedade Portuguesa não adere, simplesmente. A matriz ideológica do pensamento de direita é a responsabilidade individual. E disto os Portugueses fogem como o diabo da cruz.

      É o que é e o que há. Nada a fazer.

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    3. Que graça esse artigo de VB. Assenta que nem uma luva nas perseguições mediático-judiciais com as quais o Zuricher por aqui tem feito coro.

      Uma coisa é a inveja. É endémica, em Portugal. Outra coisa é uma área política determinada não ter sido capaz de formular propostas de representação consistentes e credíveis nem de reunir rostos políticos fora do carreirismo partidário tribal. Há que chamar os bois pelos nomes. Um PSD com Rui Rio e Pacheco Pereira na frente, por exemplo, não tem nada que ver com um partido com Passos Coelho e Marco António Costa. Acho que a direita não estaria na situação em que está se tivesse percebido, entre outras coisas, essa diferença.

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  3. Nao tenho qualquer dúvida disso. Como tambem nao tenho dúvidas de que a anacrónica e esquerdista Constituição da Republica não permite a governação com ideologia de direita!

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  4. Já aqui o disse muitas vezes. Em Portugal, quem é de esquerda, no momento do voto, tem um leque razoável de propostas ideológicas apresentadas com consistência à sua disposição. Quem é de direita, não tem em quem votar. O que tem à sua frente é um conjunto de carreiristas que, na melhor oportunidade, entregaram o patriotismo às malvas e espatifaram o que restava de centros de decisão nacional, prestando vassalagem obediente à política de bota no pescoço de Berlim. Ainda assim, o CDS dá sinais de estar mais interessado em arrumar a casa do que o PSD.

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