terça-feira, 13 de setembro de 2016

Diga Bom Dia com Centeno

Ontem, de madrugada, saiu a notícia acerca da entrevista de Mário Centeno à CNBC, cuja transcrição está disponível.
  • "It's only partially true the idea that we are focusing more on consumption, we have a substantial focus on recovering income, especially for families"
    Mário Centeno diz que o governo do país não está totalmente focado em aumentar o consumo, mas sim o rendimento das famílias. De onde vem esse rendimento adicional não é claro, pois Centeno diz que o foco é execução orçamental e não crescimento.Talvez seja da redução de impostos, mas quem olhar para a execução orçamental verá que a receita de impostos está a subir e não é por causa de maior crescimento económico, logo isso significa que a carga fiscal aumentou. No entanto, Centeno compromete-se a reduzir a carga fiscal das empresas no próximo orçamento.

  • "we are also promoting very ambitious program of reforms on qualifications, on skills, so that we can retain our best skills at home and of course allow firms to invest."
    De acordo com a explicação de Mário Centeno, os portugueses saem de Portugal porque não são qualificados para ficar em Portugal. Se isto fosse verdade, se o país precisasse de pessoas qualificadas então Portugal seria como os EUA ou como a Alemanha: importaria mão-de-obra qualificada, até porque as mesmas fronteiras que permitem que os portugueses (desqualificados) saiam de Portugal também permitem que outros trabalhadores (qualificados) de outras nações entrem em Portugal. Mas a realidade do país é completamente diferente: não se verifica que as empresas portuguesas tenham tantos postos de trabalho disponíveis que consigam atrair mão-de-obra qualificada de outros países, logo o problema do mercado de trabalho português não é a falta de mão-de-obra qualificada (curva da oferta), é mesmo falta de empregos (curva da procura).

  • "we have a very ambitious program that is meant to help firms capitalise"
    As firmas precisam de ser capitalizadas, que é como quem diz, não têm capital. Dar dinheiro a alguém não gera, por si só, mais-valia. O que gera mais valia é as firmas conseguirem investir o capital em áreas dinâmicas, onde possa haver um bom retorno para o capital. Depois, Mário Centeno acrescenta que o sistema financeiro português precisa de ser estabilizado. Precisa, mas se o país não cresce e não gera poupanças, de onde virá o capital necessário para estabilizar o sistema? A resposta está na forma como a CGD irá ser recapitalizada.

  • "we put a very ambitious business plan, a very professional team was appointed to the management of CGD. We also changed the incentives so it was these three pillars: the business plan, the governance and the incentives. And I think the market will perceive this very easily as a very ambitious ‎and market-orientated operation so we are confident on raising the 500 million on subordinated debt that we have to raise from the market and the effort from the government side is meant to be an investment."
    É uma solução do sector privado porque os males de Portugal serão resolvidos convidando investidores privados a investir na CGD, mas metade do investimento, cerca de 500 milhões, será um esforço do governo, mas deve ser visto como um investimento. É uma solução muito ambiciosa, as pessoas da nova gerência são muito qualificadas -- apesar de algumas terem sido chumbadas pelo BCE por não serem qualificadas.

    A CGD precisa do investimento porque perdeu dinheiro, logo para isto ser uma boa oportunidade para investidores e ao mesmo tempo retirar a CGD do buraco onde se enfiou, o retorno do investimento tem de mais-do-que-compensar as perdas passadas, o que significa um retorno anormal. Como é que a CGD gera retornos anormais (economês para altos)? É servindo os portugueses, logo tem de extrair esse retorno anormal maioritariamente da economia portuguesa para o dar aos investidores, provavelmente estrangeiros, mas os contribuintes portugueses também ganham através do "investimento do governo".

    De acordo com o governo, a reestruturação da CGD não prevê despedimentos, só rescisões amigáveis e reformas antecipadas, o que implica um custo na mesma. Mas o que ainda não se percebe é como é que os mesmos trabalhadores que causaram perdas no passado irão agora causar ganhos anormais? Será inspiração divina que os torna competentes de um dia para o outro? Talvez os tais gestores que ainda não fizeram o curso sejam a especiaria que falta para apurar este molho, até porque a CGD tem mesmo tempo para estar à espera que eles se formem.

    Quando Mário Centeno diz que recapitalizar a CGD deve ser caracterizado como um investimento, será que está a dizer que tem um bom retorno? Se o retorno é bom, o investidor deve esperar um nível de risco alto, se o risco é alto, é porque o investidor pode perder o capital inicial, mas Mário Centeno diz-nos que o importante é garantir que os investidores não perderão o seu dinheiro, logo isto implica uma gestão muito cuidadosa a nível de risco, que sacrifica o retorno. Mas sem retorno não dá para recuperar das perdas passadas, logo não se percebe muito bem como é que este plano irá funcionar, mas eu arrisco-me a dizer que isto não irá funcionar muito bem no mundo real.

  • "That's my main job [evitar um segundo resgate], what we are putting together -- a commitment on the fiscal front and a reduction in public expenditure in precisely that way. [...] We do that [fazer ajustamentos] from the beginning, we did that from the beginning, the 2016 budget was already a very strong statement in this respect. So we are…"
    A pergunta "Will you do whatever it takes to prevent Portugal having a second bailout?" é quase uma armadilha. A resposta ideal é ser evasivo, dizer que o país estava bem encaminhado, que o governo estava a cooperar com o BCE e a Comissão Europeia porque parte das políticas seguidas são comuns, e que estava atento aos riscos da economia internacional porque era de lá que vinham as ameaças mais sérias. Em vez disso, Mário Centeno responde como se os riscos fossem domésticos e pudessem ser controlados pelo Ministro das Finanças, apesar de exigirem muito esforço e ele ter sérias restrições em termos de que políticas pode seguir.

3 comentários:

  1. é óbvio que Portugal não está a ser governado por uma "geringonça", mas sim pelo elenco de "Astérix e Obélix contra César". só temos de esperar que o druída Centenomix conclua a poção mágica que irá permitir transformar a apática economia, o apático investimento externo, as apáticas exportações, etc, na maior recuperação económica e financeira da história.

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    1. Eu acho que o Centeno já não consegue ver o alcance das suas afirmações, o mesmo é dizer que, a meu ver, ele já não sabe o que diz.

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  2. Li muitíssimo em diagonal e saltaram-me à vista, assim estilo murro no olho, 3 "ambitious" em 5 pontos. Como é que dizia o outro? "É hora de emalar a trouxa e zarpaaaaaar..."

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