segunda-feira, 4 de julho de 2016

Democracia representativa

A democracia representativa é raramente compreendida. A minha tese é a de que ela requer a existência de partidos com posições distintas sobre os mesmos assuntos, de modo a que as pessoas possam, em cada ocasião, ter ao dispor as melhores opções de escolha para fazer face aos problemas do momento. De certa forma, é como se aos políticos fosse pedido que representassem, nas melhor das suas capacidades, um papel. Que alegassem o melhor caso possível para sustentar uma determinada posição. Aos eleitores compete ouvir todos estes casos, e escolher. Se não estiverem refletidas todas as posições, a democracia representativa falha em conseguir enquadrar e ofererecer, dentro do próprio sistema, as soluções para os problemas do momento. A inexistência de posições específicas seria como se um dos vasos comunicantes do sistema estivesse entupido, inundando e sobrecarregando os restantes, com o risco de se partirem. 

Ora, este papel que aos políticos é pedido na democracia representativa pode ser facilmente confundido com hipocrisia. É que, de certa forma, é mesmo. Há uma tensão permanente entre os políticos cumprirem o seu papel de corporizarem alternativas firmes, e defenderem algo em que acreditem e com o qual possam viver, no caso das suas posições sairem vencedoras. É um problema, sobretudo, para os partidos e para as posições mais radicais. Se é importante que lá estejam para que exista forma de o eleitorado recentrar o espectro político - votando um pouco mais num extremo, obrigam o centro a acomodar algumas das ideias radicais -, isto coloca pressões sobre políticos que, como todos nós, têm dúvidas. 

Tsipras é um excelente exemplo. Corporizou na Grécia uma alternativa radical à austeridade, que deveria recentrar o centro político e torná-lo menos obediente aos credores externos. Mas o centro não cedeu - talvez por não ser possível ceder - e a posição radical ganhou. Tsipras, vendo-se na obrigação de viver com as ideias que defendeu, não aguentou a pressão - e cedeu. 

Boris Johnson e Farage são os exemplos do momento. Corporizaram ideias com as quais provavelmente nem sequer concordam (sobretudo o primeiro). Não aguentaram a pressão de as terem de implementar. 

Serão hipócritas. Sâo. Muita, se não toda, a sua motivação foi a de obter um ganho pessoal. Mas esta recompensa - do ganho pessoal - é dada pelo próprio sistema para que sejam possíveis alternativas políticas. A democracia representativa é um bicho mais complicado do que parece. Tem vida própria. Claro que políticos individuais podem - e, a meu ver, devem - escolher não corporizar uma ideia na qual não acreditam totalmente. Mas haverá sempre, por um lado, a recompensa para que alguém a corporize e, por outro, caso ninguém a corporize, há um risco claro para o sistema. O risco é o crescimento de soluções "fora do sistema". 

Já agora, estou convencido que muita gente do PCP se aterrorizaria com a possibilidade de formarem governo maioritário em Portugal.

Finalmente, não, obviamente não estou a defender o fim da democracia representativa, ou a alegar que está bem ser hipócrita. Até ver, Churchil tinha razão, e este é de longe o sistema menos mau. Mas é preciso compreender que a democracia representativa não pode simultaneamente ser um mal menor, e não ter problemas. 

18 comentários:

  1. De acordo, Luís. Mas há uma diferença substancial do referendo no RU para a Grécia: os primeiros já se foram e deixaram a confusão para terceiros - e em parte esse é o problema dos referendos.

    Se um referendo é convocado para clarificar uma posição ou para reforçar uma mudança, é um instrumento útil.

    Peguemos nos dois referendos sobre a IVG em Portugal: o primeiro foi convocado após aprovação na AR (116 a favor, 107 contra, 3 abstenções) de um projecto-lei tendo em vista a liberalização (nas primeiras 10 semanas). A lei acabou por ir a referendo por acordo entre PS e PSD (de notar que o referendo foi aprovado pela mesma AR que anteriormente tinha aprovado a lei). O referendo deu como resultado um "não" marginal (e com uma abstenção enorme), mas a AR achou por bem não dar seguimento à lei (novamente a AR, mesmos deputados que antes tinham aprovado a lei que agora deixaram cair).

    Em 2007 o referendo foi repetido (tendo o PS maioria absoluta com José Sócrates) e o "Sim" ganhou de forma expressiva (60% contra 40%), com uma abstenção igualmente elevada. O parlamento confirmou o resultado (dada a abstenção, como no caso anterior, não era vinculativo).

    Esta maneira de proceder é correcta e reforça a democracia representativa: é um assunto muito divisível socialmente, com elevado risco de reversão por troca de poder (o PSD era maioritariamente contra, o PS maioritariamente a favor, mas não eram uniformes). No primeiro caso, o referendo foi marginalmente contra uma votação marginalmente a favor (se quiser, empate e fica tudo na mesma). No segundo caso confirmou (de forma clara) a AR e impediu - acho eu - uma qualquer reversão no curto ou médio prazo.

    O que se passou no Reino Unido não foi nada disto: não houve votação a uma moção de saída, foi directo para referendo e o resultado do referendo - apesar de francamente participado - não é decisivamente claro num sentido. Mais, não é líquido que os apoiantes da saída consigam ter uma maioria parlamentar.

    Ao contrário do que já me acusaram, eu não digo para se ignorar o referendo. Digo é que o resultado devia ser confirmado no Parlamento e que, para essa confirmação ser legítima, deviam ter sido convocadas eleições. Se o parlamento saído das eleições votar a favor do resultado do referendo, força no Artigo 50.

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    1. Estamos de acordo quanto à parte final, pelo menos. Não me parece minimamente legítimo ou lógico sequer que o governo que se opôs à saída negoceie a dita saída. Por outro lado, após as eleições, levanta-se a possibilidade, a meu ver provável, de não ser possível gerar uma maioria parlamentar que seja favorável ao brexit. Nesse caso, também não vejo como o assunto possa deixar de ser discutido e votado no parlamento. Acontença o que acontecer, é uma confusão.

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    2. Eu percebo a demissão do Cameron - já percebo menos a ideia de que não são necessárias eleições, apesar do "esquema" constitucional britânico ser muito mais parlamentar (i.e. existe uma maior liberdade para os deputados do partido no poder, pelo que não se pode inferir - como cá - que se o Governo for derrotado todo o partido o foi).

      Havendo eleições, há uma votação sobre a revogação do tratado de adesão e caso esta perca, o referendo fica para a história. Os representantes eleitos têm naturalmente mais legitimidade que um referendo não vinculativo (se fosse vinculativo, era obviamente diferente).

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  2. "Mas é preciso compreender que a democracia representativa não pode simultaneamente ser um mal menor, e não ter problemas."

    Uma das melhores frases que li no DdD!

    Apesar da confusão, e de, eventualmente "se" ir pagar um preço demasiado alto por esta lição de democracia, eu acho que provavelmente estávamos todos a precisar dela, eleitores e eleitos.

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  3. Há algumas "subtilezas"; no Conselho Europeu cada representante vale um voto de igual valor, claro. Oito alemães, valem tanto como um portugues, nas decisões do Conselho.
    Por ter sido eleito com os votos dos cidadãos (por vezes como no meu concelho , por 19% e tem maioria absoluta!!) um fulano , passa a ser um bom gestor camarário ? Claro que isso nos custa muito dinheiro em "obras" mal planeadas, estudadas e abarracadas.Os paíse sbem governados, já deram uma pewquena volta ao assunto ; os unicos que mudam com as eleições são os de cargos politicos; todos os gestores ficam e tẽm carreira continuada. Cá os da geringonça nem querem ouvir falar nisso. Paga Zé!!!!

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    1. Não - nas decisões do Conselho Europeu, vota-se ao mesmo tempo por países e por população: uma decisão tem que ter o voto da maioria dos países, e esses países têm que representar a maioria da população (ou seja, a Alemanha ou a Polónia acabam por valer mais que Portugal ou Malta). Diga-se que para aprovar sanções por não cumprimento do deficit (um assunto muito falado ultimamente) a regra inverte-se: para rejeitar a proposta da Comissão é que é preciso a maioria dos países e da população (ou seja, basta que a maioria dos países ou que esses países tenham a maioria da população sejam a favor das sanções para estas serem aprovadas).

      Eu até não percebo muito bem qual a grande ligação entre isto (as regras de voto no conselho europeu) e o post, mas já que o assunto foi levantado...

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  4. Leio, e fico confuso nos meandros do seu raciocínio.
    O referendo é um dos instrumentos de expressão democrática onde a representatividade das ideias alternativas é subalternizada pelas emoções que as questões em referendo suscitam.

    Nigel Farage e Boris Johnson foram bem sucedidos, se medirmos o sucesso pelo resultado quase tangencial do referendo, com a excitação que conseguiram provocar à volta das emoções nacionalistas que habitam nos povos europeus em geral, e que têm sido a causa de guerras sem fim ao longo dos séculos.

    Tinham, e têm, os srs. NF e BJ consciência das consequências do Brêxit para o Reino Unido e para a União Europeia?

    Se tinham, e agora desistem de liderar o rumo para onde arrastaram os britânicos, é porque procuraram apenas protagonismo popular, e fogem do palco com receio de desabamento do cenário, e são uns poltrões.

    Representaram um papel democraticamente necessário?
    Não parece.
    Se, chegados à beira da vala, o comandante do pelotão recua e manda saltar os outros,
    que papel representa o comandante?
    E, consequentemente, qual a representatividade do resultado de um referendo que assusta os seus mais destacados propagandistas?

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  5. Caro Luís, este seu post dá pano para muitas mangas.

    Para a democracia representativa ser um instrumento para o progresso económico e social das sociedades requer a pré-existencia duma série de características na sociedade que elevem a governação ao grau de exigência que permite esse progresso. É necessária uma sociedade madura, racional, formada e instruída que permita identificar as grandes questões do nosso tempo e apreender, ainda que em linhas muito gerais, as soluções apresentadas pelos partidos por forma a, no momento do voto, essa mesma sociedade conseguir optar pelas soluções que podem leva-la para diante. É em larga medida por isto que não acredito na democracia em Portugal. A sociedade Portuguesa é, logo de princípio, extremamente emocional. Funciona emocionalmente e segundo as promessas mais bonitas sem a racionalidade que permite a avaliação para além dos embrulhos. Muito menos a avaliação a médio e longo prazos. Depois, os Portugueses são essencialmente desorganizados, outro contra dado a desorganização ser impeditiva da organização de ideias necessária à escolha e à visão de médio e longo prazos. Por fim, instruídos e conhecedores, pois pouco, muito pouco. Talvez por ser uma sociedade dada à emoção e muito pouco à razão, a sociedade como um todo não se questiona sobre uma série de coisas que deveria e poderia questionar e, no essencial, os Portugueses não percebem, sequer, coisas básicas do mundo actual. Dando um exemplo muito simplezinho, acha o Luís que se saísse aí pela rua a perguntar às pessoas o que é o deficit, o que é a dívida pública e qual a ligação entre uma coisa e a outra, teria muitas respostas certas? Penso que num universo de 1000 pessoas se tivesse 10% de respostas certas poderia considerar-se mega-feliz. Pessoalmente penso que o valor andaria, na melhor das hipóteses, pelos 2-3%. E é este um tema que tem sido martelado à exaustão nos últimos anos. Como será em coisas mais complexas...

    É por tudo isto que Portugal consegue dar as votações que dá aos vendedores de banha da cobra, algo que não acontece, de todo, nos países mais desenvolvidos e ricos do mundo. É também por tudo isto que não acredito na democracia representativa aplicada ao contexto Português. É que sociedades como a Portuguesa produzem governantes como um Costa ou um Passos qualquer. A pergunta que eu faço a mim próprio e, penso, os cidadãos deveriam fazer no momento da eleição é: a qual destes tipos daria eu o meu dinheiro a gerir? Dá-lo-ia a gerir ao Costa? Não! Ao Passos? Duvido. Nem vale a pena fazer a pergunta relativamente à galinhita e ao avôzinho muito simpático quando está de boca fechada. Mas esta gente é o que a sociedade Portuguesa produz. Estes tipos não caíram de Marte. São produto da sociedade Portuguesa, da mediania Portuguesa que, quando comparada com outras sociedades é mediocridade.

    Deixe-me dar-lhe a comparação com Espanha. Em Espanha eu daria o meu dinheiro a gerir a Mariano Rajoy, sem problemas nem reservas. Não o daria, de todo em todo, a Sanchez. Mas se calhar a Rubalcaba até era capaz de pensar no assunto. Outro exemplo que me é muito próximo também, Malta. Daria o meu dinheiro a gerir a qualquer dos líderes dos dois maiores partidos, tanto ao laborista Muscat, actual PM como a Busuttil, o líder da oposição. Olhe ao curriculum de qualquer deles. Deixam um Costa ou um Passos qualquer a anos-luz de distância. Mas, lá está, a sociedade Maltesa, pelo que é, produz gente assim para a governação e os Malteses são exigentes com quem lhes governa a ilha. Compare com Portugal. Pois...

    É muito certo que em democracia representativa é importante que haja partidos com posições divergentes para os eleitores poderem escolher este caminho ou o outro. O problema é quando a sociedade não consegue avaliar essas posições divergentes e vota sem ter a mais mínima noção dos efeitos da sua escolha ou, sequer, da exequibilidade dos caminhos. Quando isto acontece a democracia representativa é receita certa para a piora das condições de vida das pessoas. Que é o caso Português, de resto.

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    1. "É por tudo isto que Portugal consegue dar as votações que dá aos vendedores de banha da cobra, algo que não acontece, de todo, nos países mais desenvolvidos e ricos do mundo."

      É curioso como duas pessoas olham para a mesma coisa e tiram conclusões opostas. Para mim, o que esta história do referendo britânico prova é precisamente que no melhor pano cai a nódoa.

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    2. "O problema é quando a sociedade não consegue avaliar essas posições divergentes e vota sem ter a mais mínima noção dos efeitos da sua escolha ou, sequer, da exequibilidade dos caminhos. "

      Tem razão no que diz, Zuricher.

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  6. Isabel, no meu comentário, deliberadamente, ignorei o pormenor de que a propósito da democracia representativa a intenção do poster original era precisamente falar sobre o referendo Britânico. O que escrevi aplica-se à democracia representativa e não ipsis verbis ao instituto referendatário. Mas, tudo bem, falemos um bocadinho sobre o elefante no meio da sala. Contrariamente à Isabel, não concordo que no melhor pano caia a nódoa. De todo, mesmo. Eu teria votado Brexit. Contrariamente a Portugal, onde um Portexit seria uma tragédia monumental (embora não seja de excluir que suceda, não como uma saída autónoma mas como abandono ocasionado pela implosão da UE), penso que o Reino Unido irá experienciar algum incómodo no curto prazo seguido duma recuperação fulgurante nos médio e longo prazos. Aliás, parece-me que é altura de começar calma e ponderadamente a olhar para investimentos em terras britânicas. Não necessariamente para concretizar já, hoje, mas para os ter prontos a serem concretizados num horizonte de 3-6 meses para um horizonte de pelo menos 10 anos.

    Há ainda outro ponto pelo qual eu teria votado Brexit. Não acredito, como nunca acreditei, na viabilidade a longo prazo da UE. Aliás, nem sei bem se o que há hoje em dia ainda é a UE ou outra coisa qualquer. Penso que irá implodir e com estrondo. Um Reino Unido fora da UE no momento em que ela for pelo chão é importante, não apenas para os Britânicos como para vários outros países, Portugal incluído, como para a Europa e o Mundo em geral. Um Reino Unido livre de amarras e constrangimentos pode bem ser um amortecedor para esse choque. É mais um motivo pelo qual apoiei o Brexit. E, Isabel, não se preocupe que haverá quem saiba pilotar o navio pelas águas tormentosas do processo de divórcio. Há na política Britânica muita gente capaz para esse fim e vários dos candidatos que se perfilam parecem-me ter capacidade para liderar os Ingleses nesse caminho.

    Já agora um pormenor totalmente lateral a tudo isto mas nada dispiciendo. Tem sido interessante ver quem pretende vingança e quem pretende relações amigaveis para o futuro. Porque será que não me surpreende minimamente que os Franceses sejam os vingativos e os Alemães os ponderados, pragmáticos e racionais? Há gente que realmente não aprende com a história. A mentalidade de Versalhes continua bem viva em Paris! Gente!...

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  7. Isabel, no meio de tanta escrita esqueci-me do mais importante. Uma sociedade ser madura, racional e instruída, em suma, preparada para fazer da democracia um instrumento para o seu progresso, não exclui que episodicamente possa cometer um erro. Agora, cometer um erro episódico é totalmente diferente de ser errado por natureza. Afinal, se num fato de caxemira cair uma nódoa ele continua a ser um fato de caxemira e não é pela nódoa que se transforma num fato de burel.

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  8. Sabe, Zuricher, eu acho que isto

    "O problema é quando a sociedade não consegue avaliar essas posições divergentes e vota sem ter a mais mínima noção dos efeitos da sua escolha ou, sequer, da exequibilidade dos caminhos."

    é a regra e não a excepção. Eu tenho pouquíssima, para não dizer nenhuma, confiança na nossa (humana) capacidade de organizar o futuro através de decisões racionais. Aliás, a minha convicção é que, na vida real, todas as decisões importantes que tomamos (opero ou não opero aquele doente, aceito esta proposta de emprego ou aquela, caso com esta pessoa, tenho um filho agora, etc, etc) são sempre, sempre tomadas com uma pequeníssima parcela da informação teoricamente necessária. Isso é que é o normal, o contrário a excepção (porque a regra são as situações complexas e a excepção as simples).

    Quando digo "no melhor pano cai a nódoa", não me refiro sequer ao Brexit em si, em que talvez tenha razão, refiro-me à sensação de que toda a gente parece ultrapassada pelos acontecimentos, muito mais do que o costume. Mas talvez seja impressão minha.

    Mas já agora, deixe-me dizer-lhe que tenho pensado que talvez estejamos a ver a lei das consequências não intencionais em acção: se por acaso o Brexit for tão inexequível como parece não acredito nem por um segundo que tenha sido por uma construção deliberada da UE. Simplesmente, a ideia original de entrosar de tal forma o destino da França e da Alemanha através da CECA que tornasse a guerra impossível tomou vida própria...

    (A alternativa a essa impossibilidade ontológica é o que o Wolfgang Munchau dizia um dia destes num artigo muitio sóbrio: a escolha entre a cruwz e a caldeirinha.)

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  9. Interessante reflexão, cara Isabel, e que nos pode levar a dois outros aspectos existentes em várias sociedades e que contribuem para a viabilidade do regime democrático: uma, elites, verdadeiras elites, nos mais variados ramos do saber e outra, uma sociedade civil forte liderada precisamente por essas elites. Nenhuma existe em Portugal. Por um lado, a alergia ancestral ao elitismo impede aqueles que são verdadeiramente superiores em vários ramos do saber de se pronunciarem, tanto por saberem que não são ouvidos como por não estarem para ter as suas opiniões postas em causa quando não mesmo menorizadas por zés ninguéns que não perceberam nada do que disseram até por serem assuntos inerentemente complexos e impossiveis de ser apreendidos sem aturada formação específica. Por outro lado não há sociedade civil em Portugal e, aliás, em diversos ramos do saber, dada a elevada dependência do Estado, é impossivel a sua existência.

    É impossivel, seja a quem for, dominar a fundo todos os temas da actualidade. Mas uma sociedade formada e informada tem aquele conhecimento superficial, básico, que permite distinguir o trigo do joio. É aqui que as elites e a sociedade civil têm a sua importância. Verdadeiras élites, conseguem liderar a sociedade civil no caminho certo e guiá-la às decisões mais adequadas. A sociedade Portuguesa, não apenas ataca as elites como faz gala de remar sempre para o exacto lado contrário como forma de desafio a quem é bom e superior.

    Não a acompanho na desconfiança em relação à racionalidade das decisões. A esmagadora maioria dos Portugueses é totalmente incapaz de raciocínio frio e calculista até para as suas vidas pessoais quanto mais para questões relacionadas com o país. Não é assim em todo o lado. Nem sempre conseguimos ter toda a informação, é certo. Mas é sempre possivel ter muita informação. Até mesmo nos casos a que alude e em situações extremamente complexas. Ganha-se mais com a decisão demorada mas tranquilamente ponderada do que com a acção impulsiva. Olhando aos casos a que alude, operar ou não operar, há provavelmente muitos elementos objectivos para apoio à decisão, suponho. Aceitar esta proposta de emprego ou aquela... Se a pessoa souber qual o objectivo para a sua vida, sabe perfeitamente comparar ambas propostas e qual das duas a aproxima desse objectivo. Casar com esta pessoa ou a outra, há tanto envolvido nisso, tanto pensamento racional necessário para que a coisa corra realmente bem que a ausência dessa reflexão é causa de incontaveis fiascos nesse campo. Tanto sofrimento, tempo e dinheiro seriam poupados se simplesmente as pessoas pensassem um bocadinho antes de atirar-se de cabeça... Ter um filho agora ou mais tarde, é realmente dificil prever o futuro mas pode ter-se uma ideia. Agora, o presente todos conhecemos. Não, cara Isabel, não é assim tão dificil organizar a informação, pesar todos os factores e decidir. Requer apenas algumas organização e disciplina mentais. Saber-se qual o objectivo final e como é que cada decisão em particular influencía o alcance desse objectivo já é um bom princípio!

    Onde estou de acordo consigo é em que as pessoas são ultrapassadas pelos acontecimentos. Hoje em dia anda tudo muito depressa, as coisas ocorrem rapidamente e, realmente, as pessoas vêem coisas a cair do ar que não entendem. Mesmo quem devota grande parte do seu tempo a entender o mundo que o rodeia, seja por interesse pessoal ou por necessidade profissional, é ultrapassado por coisas que não conseguiu prever. O mundo anda demasiado depressa hoje em dia...

    O Brexit não é inexequivel. Duma forma ou doutra é sempre exequivel. Repare, Isabel, um laço muito mais forte que é a união de territórios num país tem sido quebrado repetidamente desde sempre. A saída do Reino Unido desta coisa é muito mais simples quando comparado com isso. Não tem nada de inexequivel.

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  10. Zuricher, estamos no domínio da fé. E eu não partilho de todo das suas conviccões :-)

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    1. Não tanto da fé, cara Isabel. Não tanto. Sou muito pouco dado a essas coisas.

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  11. Coitado do Gaspar! Ficou abananado com a voz do povo, e agora, como bom esquerdista de flute de champagne, vem aqui tecer considerações acerca da democracia representativa, coisa de que os ingleses sabem mais a dormir do que qualquer português de meia-tijela acordado. Sim, porque vontade populat é a sagrada Constituição de 1976! A reacção não passará!

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