terça-feira, 5 de julho de 2016

15% não chega

Um dos sucessos do programa de ajustamento foi o reequilíbrio das contas externas desde 2013. Tendo em conta a situação historicamente deficitária da nossa balança corrente não é um resultado que deva ser desvalorizado.

No entanto, quando o desequilíbrio externo é analisado do ponto de vista da poupança e do investimento facilmente se conclui que aquele resultado deve ser saudado com muita cautela. Numa situação de equilíbrio externo poupança e investimento são iguais; quando o investimento supera a poupança interna aquele tem de ser financiado com poupança externa, isto é, com endividamento, e temos então um défice externo.


Como podemos ver na figura, a situação de défice externo é uma marca do desempenho macroeconómico de Portugal nas últimas décadas. As elevadas taxas de investimento nos anos 90, próximas dos 30% do PIB, foram financiadas recorrendo a montantes anuais de endividamento externo correspondentes a cerca de 10% do PIB. Estes défices acumulados, em 2009, já ultrapassavam 100% do PIB. A redução da taxa de investimento ao longo do século XXI não reduziu as necessidades de financiamento externo porque a poupança interna acentuou a sua tendência decrescente iniciada no final dos anos 80.

Quando analisamos a correcção do desequilíbrio externo do ponto de vista do investimento e da poupança, concluímos que essa foi alcançada em parte por uma recuperação da taxa de poupança (que aumentou de um mínimo de 10,7% em 2010 para cerca de 15% desde 2013) e de uma quebra da taxa de investimento (que diminuiu de cerca de 20% em 2010 para cerca de 15% desde 2012).
Estes 15% são um equilíbrio muito precário. Uma taxa de investimento de 15% não chega para repor a depreciação do stock de capital – todos os anos o stock de capital da economia é menor que no ano anterior. Para crescermos temos de ter mais investimento. Mas se a poupança interna não aumentar a única forma de o financiar é com endividamento externo. No entanto, para uma economia muito endividada e com baixo crescimento esta poderá não ser uma opção. Ou seja, uma taxa de poupança de 15% também não chega.

O crescimento económico e a sustentabilidade do nosso endividamento dependem assim do aumento da taxa de investimento e do aumento da taxa de poupança. Todas as decisões de política económica deveriam ter em conta os efeitos sobre essas duas variáveis. O governo discute a necessidade de mais investimento, bem como o financiamento das empresas, mas, nas suas decisões, não é fácil vislumbrar medidas que façam aumentar aqueles insuficientes 15%. 

17 comentários:

  1. Estamos quase totalmente dependentes do investimento directo estrangeiro?
    PS
    Em anos anteriores não percebi o aumento da poupança entre 2011 e 2013. Foi apenas austeridade voluntária, por medo?

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    1. "Em anos anteriores não percebi o aumento da poupança entre 2011 e 2013. Foi apenas austeridade voluntária, por medo?"

      Penso que sim. Poupança por precaução.

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    2. Bom, se um tipo ficar desempregado e perder o seu rendimento tanto desaparece o consumo respectivo como a poupança respectiva. Não é preciso nenhum factor medo.

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    3. henrique pereira dos santos5 de julho de 2016 às 16:26

      Pedro Romano, tenho-me fartado de aprender consigo (se for o do desvio colossal) mas na verdade no início do programa de ajustamento foi-se o consumo mas aumentou muito a poupança, portanto não me parece que a sua explicação seja sólida para o que se passou.
      Já o medo de perder o emprego pode ser um estímulo muito forte de poupança.

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    4. Henrique, esse é um dos problemas de fazer as contas em % do PIB, e não em volumes reais. Na verdade a poupança real - definida como o 'montante de recursos produzidos dentro do país que não são alocados a consumo e que portanto podem ser investidos em capital físico nacional ou capital físico estrangeiro' caiu mesmo. Era de 6,6 mil milhões de euros/trimestre em 2008, e é de 5,7 mil milhões de euros/trimestre em 2016.

      A questão é que como o consumo também caiu, e caiu mais, a taxa de poupança, definida como o rácio da poupança sobre o PIB, aumentou. Mas não é porque estejamos a pôr mais recursos à disposição de quem quer investir: é porque o denominador (PIB) encolheu, e o peso relativo da poupança aumentou.

      Um exemplo concreto do erro que o uso da métrica '% do PIB' pode induzir: https://desviocolossal.wordpress.com/2015/02/19/adenda-a-grecia-mais-um-argumento-a-evitar/

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    5. Henrique, deixei-lhe uma resposta por aqui, mas deve ter ficado presa nas não publicadas. Depois tento re-postar.

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    6. Já está, devo ter carregado no botão errado. Felizmente não tinha apagado. às vezes acontece.

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    7. henrique pereira dos santos6 de julho de 2016 às 15:21

      Muito obrigado pela resposta, eu bem digo que me farto de aprender consigo

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  2. henrique pereira dos santos5 de julho de 2016 às 12:10

    Um efeito que ninguém antecipou e acentuou a recessão. Mas com efeitos positivos também.
    Infelizmente o discurso demagógico sobre a austeridade e o efeito social negativo do programa de ajustamento impediu que se olhasse para este processo racionalmente, portanto as propostas políticas são miseráveis deste ponto de vista.

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  3. A poupança depende exclusivamente de uma variável que o Governo não controla: taxa de juro. Estou para ver qual vai ser o resultado desta bizarria: uma economia sem dinheiro em que o dinheiro não vale nada.

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    1. "A poupança depende exclusivamente de uma variável (...): taxa de juro."

      Isso não é verdade. Há até alguma literatura contraditória sobre Bem pelo contrário, há vários estudos com resultados contraditórios. (Aliás, mesmo em termos teóricos, os efeitos são contraditórios.)

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    2. Então que medidas um governo pode tomar para fazer aumentar, de forma eficaz, a taxa de poupança?

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    3. Essa é a pergunta certa. Estamos a trabalhar na resposta. De qualquer forma já escrevi algumas vezes sobre o assunto. Mas, ainda falta trabalho, para poder responder mais taxativamente.

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    4. A poupança também depende das expectativas. Se uma pessoa tem expectativas de que nada de mal lhe acontecerá, e tem um emprego seguro ou tem bastante riqueza acumulada, não terá grande incentivo em poupar. Em Portugal não se poupa muito porque há a ideia de que o estado trata da reforma; também não há grande sítio onde investir as poupanças. E julgo que uma forma que as pessoas "poupam" é na aquisição de casa. Isso viu-se nos EUA durante a bolha imobiliária. Havia dinheiro que podia ter ido para poupanças, mas foi para aquisição de casa.

      Em Portugal, não sei se a poupança na altura da crise foi completamente voluntária. Se calhar, houve restrições ao acesso ao crédito que causou que o consumo a crédito diminuísse, logo dinheiro que seria usado para pagar o empréstimo do novo carro ou das férias no estrangeiro, ficou no banco.

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    5. Boletim Económico de Maio de 2016 só faltou referir as decisões do Tribunal Constitucional:
      "Analogamente, a forte melhoria nas expectativas das famílias a partir de 2013 também terá estado associada a uma revisão das expectativas quanto ao rendimento permanente, num quadro de reversão estrutural de medidas de política anteriormente adotadas e de perceção de que a longa sequência de choques económicos adversos teria terminado. Deste modo, o aumento do consumo corrente observado em 2014 e 2015 terá sido, em parte, influenciado por uma revisão do nível ótimo de consumo, de forma a torná-lo consistente com a nova expectativa quanto ao rendimento permanente das famílias."

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  4. Muito interessante o artigo. Obrigado.
    Relativamente à questão da poupança, ela está muito relacionada com as politicas do chamado “sector monetário” que obviamente estão interligadas às politicas macroeconómicas.
    O papel dos bancos centrais é, portanto, fundamental.
    No entanto, a análise do diferencial entre a poupança e investimento (Saving-investment gap) pode ser dividida entre aquele indicador para o sector publico e privado. Esta separação permite perceber com maior detalhe a origem do diferencial e neste sentido as politicas publicas são importantes.
    Assim considerando que o S corresponde a Poupanças (Savings) e o I a Investiment, temos que a Balança Corrente CAB (Current Account Balance) corresponde a :
    CAB = S- I = (S-I)Sector publico + (S-I)sector privado. E portanto, como referiu o autor, quanto maior o investimento maior terá de ser a poupança, mas também quanto maior for o investimento publico, maior terá de ser a poupança privada e esta relação entre publico e privado é fundamental porque a economia não reage, pelo menos a longo prazo, da mesma forma a investimento publico ou privado. O importante é perceber que dificilmente conseguimos manter ambos os investimentos elevados, sem recorrer a financiamento externo.
    Concluindo, penso que a poupança é função da riqueza criada, nível de preços e taxa de juro.

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  5. Penso que as taxas de juro, baixíssimas, que o sistema financeiro actualmente oferece, também contribuem para a redução da poupança. Esta questão pode não ter grande peso, mas, parece-me, também concorre para a baixa da poupança, por parte das famílias.

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