domingo, 1 de maio de 2016

História gótica

51. As buscas terminaram para todos menos para Ada, que recusou participar no luto dos pais.
Não esteve presente no cemitério onde uma lápide foi erguida marcando o lugar de um caixão vazio. Nem na missa onde se encomendou uma alma ausente. Preparou uma mala com algumas roupas, um par de sapatos, uma escova para o cabelo, um caderno e vários lápis, um frasco com o perfume que a irmã usava. Colocou ao pescoço um medalhão com um retrato da irmã, o mais recente que encontrou, e pôs sobre os ombros a missão e a promessa de não regressar até encontrá-la e de nunca regressar se não a encontrasse. Não desistiria. Desapareceria como ela, jurou. Esta promessa fê-la a si própria, desde criança que não acreditava em santos e salvação. Há muito tempo já que não rezava, apenas mexia os lábios nos rituais da igreja, e repetia em silêncio odes romanas quando se ajoelhava à noite de mãos postas ao lado da mãe, que não queria correr o risco de ter a sua alma e as almas das filhas arrebatadas para os céus sem que declarassem com humildade a sua devoção a um deus severo, um deus que perdoa as distrações dos negócios e afazeres do dia, mas não perdoa que estas façam esquecer às suas criaturas o que elas lhe devem. Ada deixou um bilhete aos pais explicando a razão da sua viagem. E saiu de casa com a mala na mão e num bolso a carta e o retrato rasgados que tinham sido deixados na cama da irmã. Durante meses não descobriu nada, nenhuma pista, nenhuma testemunha. Mas reparou que as pessoas estavam dispostas a falar mais com uma jovem educada do que com os agentes brutos da polícia. Nunca se sabe se a polícia quer apanhar-nos, se dizemos coisas inocentes que afinal nos incriminam, pensavam certamente. A polícia desconfia de toda a gente e toda a gente desconfia da polícia. E para mais, falam com as pessoas como se fossem melhores do que elas, chamam tiazinha às mulheres mais velhas, tratam por tu homens já adultos, dão beliscões às raparigas e sopapos aos rapazes. Bebem vinho e não pagam. Uma vez que as suas inquirições não davam frutos, pensou que o melhor seria ter um método para continuar as buscas. Procuraria casos de desaparecimento semelhantes, histórias de jovens roubadas e de homens inquietantes. Alguém como o Conde von Tepes não poderia passar despercebido, ainda que numa cidade se apresentasse como um nobre e noutra como um tanoeiro. Não era possível que não tivessem sido vistos aqueles olhos terríveis e aquelas garras, ainda que vê-los dure menos do que um segundo. Procurou em jornais antigos e recentes notícias que pudessem conduzi-la a algum lado, fez perguntas nas estalagens e nas lojas com balconistas ociosos. E, finalmente, prendeu-lhe a atenção um caso, não de um desaparecimento mas de um regresso. Uma rapariga que se sumira um dia voltou passados anos à sua cidade. Voltou com os olhos cavos e incapaz de falar. Quase não tinha sido reconhecida, mas mostrou um sinal de nascença que tinha num dos pulsos e acolheram-na com comoção. Mais de dois anos de absoluto silêncio tornaram-na uma curiosidade excêntrica, e os miúdos da vizinhança divertiam-se a tentar fazê-la falar. Atiravam-lhe pedras, punham-lhe berlindes no caminho para que escorregasse, chamavam-lhe nomes, mas sem resultado. Havia quem fizesse apostas e perdesse dinheiro. E quem em vão lhe pregasse sustos que sobressaltariam qualquer um. Deixaram-na finalmente em paz e ela passava agora os dias sentada a uma mesa no fundo da taverna dos pais. Quando Ada se sentou à sua frente, abriu a boca como se quisesse dizer alguma coisa, mas nenhum som saiu da sua garganta.

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