quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Não tenho resposta

Em Portugal, conheço pessoalmente dois casos de mulheres abusadas por parceiros, que me saltam logo à ideia, mas houve muitas mais que eu conheci durante a minha infância. Ambas estas mulheres tinham formação universitária. Num caso, para além dos abusos, o marido trancava a esposa em casa, num sótão, sem ter acesso a outras pessoas. Ele parecia uma pessoa completamente normal e não dado à violência com os outros, mesmo para mim é difícil de acreditar que tivesse feito tal coisa. Mas fez... No outro caso, o marido abusava-a mental e fisicamente e também a drogava. Quando ela ia ao médico supunham que era bipolar, depois esquizofrénica, e enchiam-na de medicamentos. O acesso a amigos também era limitado.
Nós, humanos, somos máquinas de sobrevivência e, muitas vezes, para sobreviver, o nosso cérebro restringe o acesso a certas memórias. Mas há outros entraves. Quando a vítima vai ao médico em busca de tratamento e, até junto de amigos, admite não estar em pleno controle das suas faculdades e o perpetrador do abuso parece ser uma pessoa que está bem, é afável para com os outros e até para com a vítima à frente de testemunhas, temos logo uma situação na qual um lado está em grande desvantagem relativamente ao outro. E depois temos um sistema ineficiente e, muitas vezes, cheio de falhas. Quantas vítimas em Portugal não padecem, mesmo depois de pedir ajuda ao estado? Esta semana, uma mulher foi detida por suspeita de homicídio dos seus filhos, meses após ter apresentado queixa por maus tratos e abuso sexual dos seus filhos por parte do seu ex-companheiro.
Mas não é o único caso, como já escreveu a Sara aqui: assistimos também à continuação do lamentável caso de Bárbara Guimarães vs. Manuel Carrilho. Não só a Juíza demonstra ser completamente parcial, como humilha a vítima na forma como a trata (ela é Bárbara, ele é Prof. Carrilho) e perguntando-lhe porque não se queixou mais cedo -- a lei portuguesa não estipula em que data deve ser feita a queixa após o início do abuso. Desde que o crime não tenha prescrito, a vítima decide; a Juíza que se preocupe em aplicar a lei e salvaguardar os direitos de todos os envolvidos. E por falar em direitos, até os direitos de Dinis Carrilho, filho do casal, foram comprometidos neste caso, pois o seu testemunho foi tornado público, quando devia ter sido confidencial.
Bem, mas a propósito do post do José Carlos, às vezes pergunto-me o que é que eu faria se estivesse numa situação deste tipo. Nunca consegui achar uma resposta. Quando o nosso cérebro fica tão debilitado devido a abuso, sabe-se lá como é que iremos reagir. Eu, que me acho uma mulher bem-formada e com conhecimento dos meus direitos, com boa auto-estima, e com uma língua afiada q.b., não posso garantir que um dia, caso as circunstâncias o permitam, não serei vítima. É por isso que tenho bastante dificuldade em confiar em homens. E digo homens porque não tenho relações amorosas com mulheres; mas há, obviamente, mulheres que também não merecem confiança.

1 comentário:

  1. Violência Doméstica em Portugal - Relatório Anual de Monitorização 2014 (Agos./2015)
    http://www.sg.mai.gov.pt/Noticias/Documents/Rel%20VD%202014_vfinal_14agosto2015.pdf

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.