domingo, 28 de fevereiro de 2016

Entre a ignorância e a ciência

Descartes rejeitou a retórica. Depois, a tradição científica considerou que só existe razão na ciência. O resto não passaria de afectos e paixões. Afinal, percebeu-se que as ciências exactas não têm grande coisa a dizer sobre o homem em sociedade, nem sobre as razões que nos guiam nas nossas escolhas quotidianas. Ainda bem que é assim, dirão alguns. O risco de um totalitarismo científico seria imenso. Uma sociedade puramente racional seria, provavelmente, uma utopia fatal para a humanidade.
O homem não é feito apenas de opiniões, mas são as suas opiniões que fazem o homem, nomeadamente a sua identidade social. Neste sentido, a opinião é um conjunto de crenças, valores, representações do mundo. A opinião é, todavia, móvel, está sujeita aos outros, é apanhada numa corrente de troca permanente.
Qual é afinal o estatuto destas “razões” do quotidiano - há quem lhes chame "razão argumentativa"-, que nem são razões científicas, nem paixões retóricas? Não é uma questão simples. Na República de Platão, num diálogo com Gláucon, Sócrates diz que a opinião se situa algures entre a ignorância e a ciência. É uma resposta possível.

3 comentários:

  1. Concordo e deixe-me editar a sua frase: "Uma sociedade puramente racional (como as descritas pelos modelos mainsteam da economia) seria, provavelmente, uma utopia fatal para a humanidade." .... ...será que é assim?

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    1. Não. Os modelos ‘mainstream’ não descrevem sociedades racionais. Quando muito, descrevem indivíduos racionais. Passar do indivíduo para a sociedade já exige um pouco mais. De qualquer forma, mesmo com esta correcção, seria uma descrição errada dos modelos 'mainstream', dado que não teria em atenção que os modelos mainstream também prevêem comportamentos irracionais, comportamentos tipo carneirada, comportamentos de "Maria vai com as outras", etc, etc e muitos etcs mais.
      Para ver a diversidade típica destes modelos, baste ter em atenção que recentemente houve um "Prémio Nobel" da Economia partilhado por Fama (que acredita em mercados financeiros eficientes e na racionalidade dos indivíduos) e Robert Shiller, que se dedica a descrever comportamento "irracionais" nos mercados financeiros. É aliás o aytor do bestseller "Irrational Exuberance".
      Ou seja, é tão correcto dizer que os modelos económicos mainstream descrevem sociedades racionais como sociedades irracionais, sendo, portanto, muito pouco informativo. É mais um slogan típico da malta que crítica a economia neoclássica sem saber o que está a criticar (não estou a dizer que seja o seu caso, note-se. Obviamente que uma piada não é suficiente para eu ter opinião sobre os seus conhecimentos de economia).

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    2. Há modelos para tudo: basta usar os pressupostos certos. E nós em economia até somos bastante inventivos.

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