quinta-feira, 21 de maio de 2015

Mudar o nome das coisas

Nas últimas décadas, o economista e historiador americano Douglass North foi talvez quem mais chamou a atenção para o papel das instituições no desenvolvimento económico. Em “Institutions, Institutional Change and Economic Performance”, definiu-as assim (a tradução é minha):
“As instituições são as regras do jogo de uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições humanamente forjadas que moldam a interacção humana. (…) Em consequência, as instituições estruturam os incentivos da troca humana, seja ela política, social ou económica.”
Mais recentemente, teve grande êxito o livro “Porque Falham as Nações, As origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza” de Daron Acemoglu e James A. Robinson. Não li o livro, mas conheço há alguns anos as ideias dos autores, graças a uma série de artigos que o Fernando me enviou.
Os autores estabelecem uma hierarquia institucional. As instituições políticas determinam as instituições económicas e estas o desempenho económico e a distribuição de rendimento numa sociedade. As instituições políticas incluem as formas de governo – por exemplo, democracia versus ditadura ou autocracia e as coações impostas aos políticos e à classe política.
O que é que determina as instituições políticas? Daron Acemoglu e James A. Robinson avançam com uma explicação, que tem, a meu ver, conotações marxistas, apesar de os autores o negarem. As instituições seriam o resultado de uma escolha colectiva. Todavia, não seriam escolhidas por toda a sociedade, mas apenas pelos grupos que, na sequência de conflitos com outros grupos, controlam o poder político em determinado momento.
Os grupos vencedores escolhem as instituições que maximizam os seus rendimentos e benefícios. O problema é que as instituições económicas estabelecidas – como, por exemplo, a estrutura dos direitos de propriedade privada e o nível e concorrência dos mercados - podem não ser as mais favoráveis à maximização do rendimento e da riqueza total numa sociedade. Ou podem funcionar bem até determinado momento e, com o tempo, tornarem-se desajustadas.
Uma das características das instituições políticas é serem duradouras. O grupo com mais poder político tudo fará para manter o estado de coisas, mesmo que isso implique o prejuízo do resto da sociedade. Todavia, a mudança pode ocorrer. Seja por motivos internos: surge outro grupo mais poderoso e ameaçador; seja por motivos externos: devido, por exemplo, a uma revolução tecnológica ou a uma mudança no contexto internacional.
Parece evidente a ligação entre as instituições e o desempenho económico de um país. Todavia, daqui não decorre que basta mudar as instituições ou copiar um modelo qualquer de um país em que as coisas correm aparentemente bem. Se assim fosse, era fácil. As coisas são muito mais complicadas. E a história mostra isso mesmo.
Para começar, este discurso sobre as instituições não é original. No século XVIII, uma época de confiança no homem e nas suas possibilidades, os filósofos acreditavam que se as instituições pudessem ser definidas correctamente, o futuro da humanidade estaria garantido. As instituições poderiam sugerir, estimular e provocar as melhores reacções dos homens. No século seguinte, vários  filósofos e historiadores consideraram essa visão uma ilusão.
A título de exemplo, Gustave Le Bon achava que é o carácter de um povo, os seus costumes e tradições que determinam as instituições e não o contrário. As instituições só devem mudar em função da necessidade e do tempo. A sabedoria dos políticos está precisamente em saber interpretar essas duas variáveis e, claro, em conhecer muito bem a sociedade em que vivem. Na sua “Psicologia das multidões”, Le Bon  dá alguns exemplos históricos para demonstrar as suas teses.
Por exemplo, a seguir à revolução francesa, alguns "iluminados", contrariando as tradições e costumes do país, acharam que a França precisava de uma maior descentralização do poder político. Resultado? Caos, guerras civis e, no fim, uma centralização ainda maior. Tocqueville descreve também essa experiência nas suas obras.
Baseado na sua própria experiência política, Tocqueville relata-nos que, durante anos, após a revolução, os políticos franceses passaram grande parte do tempo a mudar o nome das coisas que vinham do antigo regime, para, na prática, ficar tudo na mesma ou pior ainda.
Eis no que dão muitas das reformas políticas voluntariosas: sangue, suor, lágrimas e, no fim, fica apenas uma mudança do nome das coisas.

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