sexta-feira, 14 de março de 2014

Como avaliar o ajustamento português? Jornal de Negócios, 10 Março 2014

Os sinais de retoma da economia portuguesa são positivos. Mas será que demonstram que a Economia fez os ajustamentos necessários, e que o caminho seguido foi o melhor? A meu ver não. Explico aqui porquê.

O que devemos perguntar para avaliar a resposta a uma crise não é se a crise tem um fim? Todas tiveram! Devemos antes colocar questões como: por quanto tempo se prolongou? A extensão do recuo do PIB e do avanço do desemprego foi minimizada? Como foram distribuídos os sacrifícios?

Qual a força da retoma no final da crise? Ou, a crise serviu para alterar a estrutura da economia da forma necessária?

A resposta a estas questões dificilmente pode ser muito positiva. Depois de sinais de recuperação em 2010, Portugal prolongou a contracção do PIB por mais três anos. O PIB recuou para níveis de há mais de uma década atrás. O desemprego atingiu níveis recorde muito acima dos previstos no memorando de entendimento. E as previsões apontam para uma retoma lenta.

Estes resultados são piores do que os da generalidade dos países europeus. E os resultados europeus são também bastante piores do que os registados pelos EUA e Japão, que já estão a crescer desde 2010 e apresentam hoje níveis de desemprego muito inferiores aos da Zona Euro. A escolha pela austeridade teve um custo elevado, contribuindo para alargar o fosso entre a Zona Euro e o os EUA (1).

A economia portuguesa apresentava vários desequilíbrios. O ajustamento proposto pela Troika devia corrigi-los. Será que estes elevados sacrifícios contribuíram para mudar a economia portuguesa no sentido necessário?

O défice externo elevado que o país manteve durante duas décadas, decorria da despesa interna ser superior à produção. O país vivia acima das suas possibilidades. O ajustamento necessário requeria aumentar a produção e diminuir a despesa interna.

Como é que tal deveria ser feito? Com uma redução de despesa centrada na redução dos gastos públicos e do consumo (e não do Investimento), em simultâneo com o aumento das exportações líquidas e uma alteração da estrutura da economia que reforçasse o peso da produção de transaccionáveis face à dos sectores não transaccionáveis.

O bom caminho (o ajustamento ideal) seria um ajustamento em que se minimizasse a perda de PIB e de emprego no curto prazo, e que incluísse um acelerar do crescimento das exportações e um reforço da capacidade produtiva de longo prazo (o PIB potencial).

Os dados dizem que não foi isto o que aconteceu. O investimento foi a componente da despesa interna que mais caiu, enquanto a despesa pública pouco diminuiu - em 2013 a despesa pública em percentagem do PIB deve ser superior à registada em 2011. As exportações que deviam ter acelerado, desaceleraram (o ritmo de crescimento em 2012-13, foi menos de metade do verificado em 2010-11) e o emprego caiu mais acentuadamente nos sectores transaccionáveis do que nos não transaccionáveis (2). Exactamente o contrário do ajustamento necessário.

Ao mesmo tempo há demasiados sinais de que o PIB potencial foi particularmente afectado pela estratégia de acelerar o ajustamento das contas públicas. A emigração de 5% da mão-de-obra, a queda de 30% do investimento e os cortes na ciência e inovação, vão comprometer o potencial de crescimento do país nos próximos 20 anos. 

A contrapartida foi uma redução do défice modesta, que ficou muito aquém da prevista inicialmente. Em 2012 e 2013, acentuaram-se os sacrifícios, mas o défice diminui menos em dois anos do que em 2011. O endividamento, em 129% do PIB, está a níveis muito superiores aos previstos, demonstrando o total falhanço da estratégia de frontloading.  O "ir para além da Troika" deu resultados muito aquém das expectativas.

Num país com uma despesa acima da produção, diminuir a produção, não contribui para a solução, mas apenas para agravar o problema. Qualquer programa de ajustamento teria de ter uma diminuição da despesa interna. Mas devia ter também promovido o acelerar da taxa de crescimento de longo prazo e a alteração da estrutura da economia, com um aumento da produção de transaccionáveis que garantisse que uma recuperação sólida seja possível com equilíbrio externo.

Não são apenas os portugueses que estão pior nos seus bolsos, é também o país que está pior. Pior porque com menor capacidade de produção e menor o peso do emprego nos sectores transaccionáveis. Pior porque com um nível de défice, de dívida e de desemprego muito superiores aos inicialmente previstos pelo programa de ajustamento.

(1) O fosso alargou-se em 10 pontos percentuais. O PIB dos EUA em 2005 era 61% superior ao da Zona Euro, valor semelhante ao de 2010 (60%).  Depois, entre 2010 e 2013, o PIB dos EUA passou de 60%, para 70% superior ao da Zona Euro, valor que deverá subir para 75% em 2015 (Eurostat).

(2) Em 2013 trabalhavam menos 150 mil pessoas na agricultura e indústria do que em 2011.

1 comentário:

  1. Caro Manuel Cabral,

    De acordo em algumas coisas, noutras não, mas deixe-me apontar o que considero ser a maior falha do seu texto (que é, aliás, comum à maioria das análises sobre a situação de Portugal): como se faz o que considera que deve ser feito? Vc. escreve (e eu concordo) "Mas devia ter também promovido o acelerar da taxa de crescimento de longo prazo e a alteração da estrutura da economia, com um aumento da produção de transaccionáveis que garantisse que uma recuperação sólida seja possível com equilíbrio externo." Ok, agora diga-me como faria isso?

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