sexta-feira, 29 de março de 2013

Pressão intolerável

Segundo consta, saíram notícias em dois jornais dando conta da alegada intenção do primeiro-ministro em se demitir no caso de serem declarados inconstitucionais alguns dos artigos do orçamento. Ontem, o primeiro-ministro chamou a atenção para as responsabilidades do TC e para os efeitos das decisões dos juízes do Palácio Ratton. De acordo com uma teoria estapafúrdia que por aí se inventou, isto é uma pressão intolerável do governo, que se deve remeter ao silêncio sobre o assunto. Por que carga de água deve o governo estar calado? Onde é que está escrita essa obrigação? Por acaso também é inconstitucional o governo expor publicamente os seus argumentos e alertar para as consequências das decisões dos juízes? O erro crasso do governo foi ter ido nessa conversa sem sentido. Era o que mais faltava o governo não ter o direito de se exprimir, só porque isso pode perturbar as cogitações dos senhores juízes, que, coitadinhos, podem ser muito sensíveis. O governo não só pode como deve chamar a atenção dos portugueses para o que está em jogo. A decisão dos juízes é apenas uma interpretação da Constituição, que não deve ser alheia à realidade do país, não é nenhuma revelação do Espírito Santo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Um homem muito sobrestimado

Compreendo a excitação à volta do “fim do silêncio” de Sócrates. A entrevista foi um regresso ao passado, o homem está na mesma, a mesma agressividade, a mesma má-educação, a mesma “narrativa” (estava tudo a correr sobre rodas até a oposição chumbar o PEC IV e nos atirar para os braços da troika), a mesma manipulação dos números (o José Gomes Ferreira explicou bem, por exemplo, os relativos à dívida pública), enfim, não vale a pena perder tempo a analisar as palavras do homem agora que ele decidiu “tomar a palavra”. O que me espanta são os dons que os comentadores insistem em atribuir-lhe. Ele é carisma, ele é dotes comunicacionais, ele é “star quality”, ele é capacidade e inteligência política, etc. Um exagero. Especula-se sobre os "efeitos Sócrates” no governo, no país, no PS e no diabo a quatro. Sócrates é um político muito sobrestimado. Ou muito me engano ou a audiência dos seus programas na RTP vai ser um fiasco - tirando talvez a fase inicial. Sócrates não vai agitar coisa nenhuma, essa agitação só existe na cabeça de jornalistas, comentadores e políticos.

terça-feira, 26 de março de 2013

O crime e o ciclo económico

Isto não pretende ser uma resposta à entrada anterior do Zé Carlos, até porque eu faço parte daqueles que acha que um gráfico com duas linhas não prova absolutamente nada. Fica aqui, apenas como forma de pequena provocação.
Fonte: Richard Rosenfeld (ex-presidente da American Society of Criminology e académico com dezenas de artigos sobre criminalidade)

A criminalidade aumenta com a crise?

Há uns tempos escrevi num comentário no FB que achava ofensivo para os pobres associar maior pobreza a maior criminalidade. O LAC, simpática e pacientemente, lá me tentou explicar que havia dezenas ou centenas de estudos académicos que demostravam que nos períodos de maior crise económica os crimes aumentavam, em especial os de natureza violenta. Acrescentava ainda que a questão não era associar pobres e criminalidade mas sim o facto de a mesma pessoa, à medida que empobrecia, revelar maior apetência ou propensão para o crime. Daqui se devia inferir (penso eu) que, como há um empobrecimento geral em Portugal, seria de esperar uma maior tendência para todo o tipo de crimes. Todavia, não é para isso que aponta o recente Relatório Anual de Segurança Interna: “A criminalidade geral participada à Polícia Judiciária (PJ), à PSP e à GNR baixou 2,3% em 2012 face ao ano anterior e a criminalidade violenta e grave desceu ainda mais, com menos 7,8% de participações às polícias.” (Público)
Haverá com certeza pessoas que, em horas de desespero, sem dinheiro para os compromissos assumidos ou até para comer, são capazes de desatar aos tiros e assaltar supermercados e joalharias. Felizmente, parecem ser uma minoria, insuficiente para se fazerem generalizações abusivas.

Algo vai mal no reino da Holanda

Um amigo chamou-me a atenção para este vídeo, passado na televisão Dutch Nederland 2, a 17 de Fevereiro. Vêem-se jovens muçulmanos, de origem turca, mas de nacionalidade holandesa, a elogiarem Hitler, lamentando que o ditador não tivesse matado os judeus todos. Durante nove dias praticamente ninguém reagiu na Holanda a esta exibição grotesca de racismo. E esta passividade da opinião pública choca tanto como o vídeo. Imagine-se agora que jovens holandeses (nem quero imaginar se fossem judeus) faziam declarações deste teor sobre os muçulmanos e o islamismo. Haveria com certeza manifestações de grande indignação e violência, ameaças de morte, e esquerdistas eminentes marchariam solidariamente ao seu lado. Algo vai mal no reino da Holanda. E este vídeo, como se pode ler no texto que o acompanha, é apenas a ponta do icebergue.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Os três principais problemas

Leio algures que os três principais problemas de Espanha são: dívida impagável, Estado insustentável e sistema político obsoleto. Salvo as devidas diferenças, estes são também os principais problemas de Portugal e, já agora, da Grécia, da Itália e, porque não?, da França. A solução de cada um destes problemas implica a solução dos outros, isto anda tudo ligado.

domingo, 24 de março de 2013

Falsidades transformadas em dogmas

Duas falsidades (ou factos não verificados) transformadas em dogmas: a recente geração é a mais qualificada de sempre - confundindo-se percentagem de canudos com conhecimento; as mulheres, para as mesmas funções, ganham menos do que os homens. Este autor refere-se ao caso espanhol, mas o caso português não deve ser muito diferente.

Um problema de mentalidade

Enquanto via o jogo miserável de Portugal com Israel, lembrei-me de uma entrevista de Stan Valckx dada há cerca de 20 anos. O holandês foi um dos últimos grandes centrais do Sporting (1992-95). Um dia acusou, de forma polémica, os seus colegas portugueses de equipa de falta de profissionalismo. Valckx dizia jogar sempre da mesma maneira, tanto lhe dava jogar com o Real Madrid ou com o último classificado da distrital, dava sempre o litro. Ao contrário, os jogadores portugueses jogavam de forma displicente com adversários teoricamente mais fracos, o que Valckx considerava ser uma falta de respeito pelo adversário e, sobretudo, uma falta de profissionalismo. Nada mudou em 20 anos neste capítulo. É um problema de mentalidade, como disse Paulo Bento.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dresden 1945: uma cidade de mortos


Em 1942 a Alemanha começava a pagar um preço terrível, colhendo a tempestade que semeara, ainda antes da guerra, com o bombardeamento desapiedado de Guernica em 1937, e, depois da guerra começar, nos ataques implacáveis a Varsóvia, Roterdão, Coventry e zonas densamente povoadas de Londres.
Até ao final da Guerra, nenhuma cidade ou vila alemã de qualquer dimensão conseguira escapar completamente aos horrores das campanhas de bombardeamento dos Aliados. Não sem razão, Goebbels falou de uma política de “bombardeamento de terror deliberado de grandes centros populacionais alemães”. De facto, entre 1943 e 1944, de forma contínua e repetidamente, foram bombardeadas as cidades de Colónia, Essen, Dortmund, Kassel, Darmstadt, Heilbronn, Estugarda, Nuremberga, Munique, Berlim. Em Julho de 1943, num ataque especialmente terrível e devastador a Hamburgo, cerca de 43 mil pessoas morreram consumidas num mar de chamas.
Entre todas as cidades massacradas pelos Aliados, Dresden tornou-se o símbolo por excelência dos bombardeamentos de guerra. Em 13 e 14 de Fevereiro de 1945, os aliados arrasaram impiedosamente o belo centro histórico de Dresden, uma cidade conhecida, devido à sua glória cultural, de Florença do Elba. O duplo ataque - primeiro dos britânicos, depois dos americanos -, incendiário e explosivo, provocou uma autêntica tempestade de fogo que transformou a cidade antiga num verdadeiro inferno. As fontes mais fidedignas falam em 25 mil mortos. De uma realidade já horrível, Goebbels criou um mito mais horrível e duradouro, inventando um número de 250 mil mortos. Os nazis sublinhavam a necessidade de continuar a lutar. Em vão. A quantidade de vítimas e a destruição de uma cidade de beleza singular chocou profunda e duradouramente os alemães. A brutalidade do ataque dissipou todas as dúvidas: o fim da guerra estava à vista.

Fantasias

Com certeza por preconceito meu, nunca li os best sellers do momento. Nunca abri um livro do José Rodrigues dos Santos, nunca li uma página dos aclamados romances do Miguel Sousa Tavares, nunca li o “Código da Vinci” do Dan não sei das quantas, acho que nunca peguei num livro do Paulo Coelho. Eu sei, eu sei, a falha é minha. No outro dia, ao folhear a revista Sábado, deparei-me com um artigo intitulado, salvo erro, “As fantasias sexuais das mulheres”. Mulheres dos 30 aos 50 anos, casadas, mães, divorciadas, solteiras falavam com grande entusiasmo do best seller do momento, refiro-me, claro, às “Cinquenta Sombras de Grey” da escritora britânica E. L. James. Fiquei curioso. O livro parecia funcionar como uma espécie de revelação. Por exemplo, uma dessas senhoras, de 38 anos, casada, um filho, gestora de sucesso, resignada à regularidade do “sábado à noite”, encheu-se de repente de desejos após a leitura do livro. Estava em Milão aquando da revelação e, confessa, desejava ardentemente muitos dos homens com quem se cruzava na rua. Pois bem, pus-me a ler o dito cujo a ver se percebia (e aprendia) alguma coisa.
Anastasia Steele, uma jovem de 21 anos, morena, virgem (pormenor importante), prestes a acabar o curso, desajeitada, insegura mas, claro, gira, conhece o misterioso e intrigante Christian Grey, um jovem empresário bilionário de Seattle, “super bonito”, cabelos pretos, alto, ombros largos, ancas estreitas, pernas compridas e musculadas, abdominais proeminentes (este é, como sabemos, o ideal de beleza masculino do momento, ou melhor, o ideal de beleza masculino de todos os tempos, sim, a magreza masculina foi uma moda fugaz, condenada a durar pouco tempo porque contrariava os “fundamentais da natureza”). E a pobre Anastasia, conduzida pelo atormentado e dominador Grey, descobre prazeres que nunca imaginou sequer serem possíveis, nas mais variadas posições, com os mais variados objectos e nos mais variados lugares, enfim, 547 páginas com muitas instruções e muitos orgasmos pelo meio. Vou a meio do livro e já começo a ficar cansado, acho que não vou conseguir chegar ao fim - ah, é verdade, e este é o primeiro de uma trilogia, é dose…

Chicotada psicológica

Ao contrário do que alguns dizem, um bom treinador não precisa de tempo para implantar o seu sistema de jogo porque o que caracteriza um bom treinador é precisamente o ser capaz de montar uma equipa eficaz em pouco tempo – Mourinho fala num mês. Lembro-me de Hernâni Lopes ter um dia afirmado que se ao fim de 18 meses não se virem os resultados de um programa de ajustamento é porque este falhou, e o homem sabia do que falava uma vez que conduziu com êxito as operações na anterior intervenção do FMI em Portugal (1983-1984). Este governo já leva 21 meses no activo e, fora a redução do défice externo (resultante em grande parte da contração da procura interna), os resultados não aparecem. Pelo contrário: está tudo pior. É o memorando da troika que está mal desenhado, como agora se desculpa o governo? Ou foi o governo que aplicou mal o memorando, como sugere a troika? Seja como for, Vítor Gaspar falhou.

terça-feira, 19 de março de 2013

Pais incógnitos

Queridos leitores com descendência desconhecida. Em nome dos vossos filhos, desejo-vos um bom dia do pai.

sábado, 9 de março de 2013

New Orleans pela tarde

Depois do passeio matinal, a tarde revelou uma cidade diferente. Antes escrevi que a minha primeira impressão de Nova Orleães era de que, para minha enorme surpresa, se tratava de uma cidade triste. Como seria de esperar, era impossível estar mais errado.
Quem espera passear pelo French Quarter e encontrar uma série de pretendentes a artistas a cantar, tocar e dançar pelas ruas acerta em cheio. E isso foi logo pelo início da tarde. Encontrei vários quarteirões com o trânsito cortado que são o palco para dezenas de músicos espalhados pelas ruas. O comércio é surpreendente. Muitas lojas de antiguidades, joalharias tradicionais e, claro, muitas casas de arte.
Procurava eu um sítio onde almoçar que ficasse perto de uma dessas bandas de rua quando me apercebi que a melhor solução estava mesmo na rua. Comprei uma dose de sushi numa mercearia (‘Cajun sushi’, dizia o rótulo) e sentei-me no passeio a ver a banda tocar. Comer com dois pauzinhos é muito útil numa situação como esta. Uma das mãos segura o prato, a outra segura os pauzinhos. Com garfo e faca seria muito mais difícil.
Não foi o melhor sushi que comi mas foi, de longe, o mais animado e musical. E deve ter sido a refeição mais barata que tive na vida com música ao vivo. Continuando a andar pelo bairro francês, percebe-se por que raio era tão triste pela manhã: estavam todos na cama de ressaca. Vemos bêbados, ouvimos bandas dentro de bares e restaurantes, reparamos em pintores pelas ruas e, claro, chamam  atenção os clubes nocturnos bem abertos de dia, com meninas de bikini à porta convidando-nos para entrar.

New Orleans pela manhã



Passei a manhã a passear pelas margens do Mississippi. Não é o Tejo, nem o Douro, nem, muito menos, o Mondego. Mas foi por este rio que o escravo Jim e o seu amigo Huck Finn fugiram. Durante o dia, ou pelo menos durante a manhã, Nova Orleães é uma cidade triste. Mas, quem sabe, pode ser que à noite me cruze com Louis Armstrong.