terça-feira, 16 de outubro de 2012

Orçamento e alternativas (2)


Muito se tem escrito sobre as alternativas às actuais políticas decorrentes da assinatura do memorando de entendimento entre o Governo português e a troika. Desde o artigo, quase cómico, de Pacheco Pereira, no Público de 29 de Setembro, onde diz que já não pode ouvir dizer ‘que não há alternativas’ e que como alternativa sugere uma medida que depois diz já não poder ser alternativa, a Bagão Félix cuja preocupação central são os reformados como ele próprio afectados pelos cortes, a Pedro Lains e Luís Aguiar-Conraria que parecem colocar a sua esperança no regresso do crescimento económico. Há depois muitas pessoas a falarem da existência de alternativas, mas que não chegam a 'sistematizá-las'. E há ainda a alternativa de João Ferreira do Amaral, que defende a saída do euro – no fundo esta é a única proposta alternativa coerente, mas cujos resultados seriam desastrosos para a economia portuguesa.

A única alternativa efectiva em termos de política económica – acredito que subjacente em alguns dos casos que menciono acima – é a renegociação do memorando de entendimento com a troika. No entanto, para poder ser de facto uma alternativa, a renegociação terá de ser da iniciativa da União Europeia e tomada no âmbito de uma política global para a zona euro.
  
Em primeiro lugar, a Comissão Europeia é uma das principais responsáveis pela actual crise na zona euro. Por um lado, permitiu as constantes violações (explícitas e implícitas do PEC), permitindo assim a acumulação de défices e de dívida pública que viriam a resultar nas crises de dívida soberana. Por outro lado, os défices colossais em Portugal, na Espanha e na Grécia, em 2009, foram sancionados e estimulados pela Comissão Europeia, agravando ainda mais os desequilíbrios na zona euro e dando origem aos processos de consolidação orçamental que ainda hoje vivemos. Um exemplo: em 2009, a taxa de crescimento do PIB na Alemanha foi -5%, e o défice orçamental 3%. Em Portugal e na Espanha, em 2009, as taxas de crescimento do PIB foram -2,9% e -3,7% e os défices 10,2% e 11,2%, respectivamente. Ou seja, a União Europeia tem a obrigação de ajudar a resolver um problema que ajudou a criar.     

Em segundo lugar, a União Europeia terá de rever todos os programas de ajustamento porque o panorama para o crescimento económico nas economias desenvolvidas, incluindo a zona euro, é simplesmente desolador. De facto, no WEO do FMI publicado a semana passada, de muito maior relevo, para a discussão da saída da crise da economia portuguesa, que a Caixa com as estimações dos efeitos multiplicadores, é a Tabela 1 (pp. 2) com as projeções de crescimento económico. Com estas previsões não é só a dívida portuguesa que se vai tornar incontrolável. Também por esta razão a União Europeia vai ser obrigada a mudar a abordagem seguida até ao momento.

E esta é de facto, pelo menos no curto prazo, uma alternativa, porque será uma resposta europeia à crise e não apenas à crise portuguesa por não termos cumprido o programa acordado.

No entanto, confesso que também não estou muito optimista em relação aos efeitos de médio e longo prazo dessa solução para a crise da União Europeia, como já escrevi aqui com o Pedro Bação. Mas para lá chegarmos precisamos de resolver urgentemente as dificuldades de ajustamento de curto prazo.

5 comentários:

  1. “A única alternativa efectiva em termos de política económica (…) é a renegociação do memorando de entendimento com a troika. No entanto, para poder ser de facto uma alternativa, a renegociação terá de ser da iniciativa da União Europeia e tomada no âmbito de uma política global para a zona euro.”
    O post do Fernando Alexandre remete-nos para questões que estão muito para além de uma simples opção económica. Uma nova “política global para a zona euro” significaria mais um salto político em frente da Europa com consequências imprevisíveis. Não me parecem nada prudentes os actuais ímpetos federalistas que clamam por maior integração europeia como forma de solucionar o problema do euro, e que culminariam na tão almejada União Política. Quem conhece minimamente a história da Europa só pode olhar para essa possibilidade com grande cepticismo. Foi esse voluntarismo que nos conduziu ao beco sem saída do euro. Por conseguinte, qualquer alternativa que passe por uma integração europeia acelerada parece-me contraproducente e perigosa. Aliás, o Fernando também não deposita grande fé nesse caminho. Numa palavra, esta alternativa não é uma boa solução, no curto prazo, nem, provavelmente, no médio e longo prazo. Não há como fugir à austeridade, a não ser que os alemães num acesso de loucura, perdão, de solidariedade decidam pagar as nossas faturas.

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  2. Uma das poucas vantagens desta crise é explicar a todos os portugueses o significado da expressão "solidariedade europeia". Quem fala em federalismo depois de levar com um escarro na cara deste tamanho, dos seus parceiros, não tem a mínima noção de dignidade e decência.
    Proporcionar taxas de juro razoáveis é "pagar as nossas facturas"? Controlar derivas maciças de capital da periferia para o centro, estimuladas por deficiente gestão de expectativas, é fazer mais do que obrigação?

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  3. Caro Nuno,
    as derivas maciças de capital tiveram lugar, durante décadas, do centro para a periferia - dando origem ao enorme endividamento de Portugal, Espanha, Grécia, etc. Percebe que isso não podia continuar indefinidamente? As taxas de juro já estão a baixar, e espero que continuem a baixar, graças à mudança de política do BCE. Mas isso não vai chegar. Para conseguirmos pagar as nossas dívidas vamos ter de voltar a crescer e muito.
    Eu sou muito céptico em relação ao federalismo. Se hoje já nos queixamos de não ter política monetária, imagine o que será deixar simplesmente de ter política...

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    1. Derivas maciças de capital do centro para a periferia, Fernando?
      Quer dizer empréstimos para comprar o que o centro produziu? Houve. Sem juros, sem exigências de balanço nos bancos e de fronteira aberta foi fartar vilanagem. Uma boa razão para, constatados os erros, agora nos tratarem de um modo diferente. Mas até pode ser... já não falta muito para as taxas de juro atingirem o ponto em que estavam antes do fatídico golpe do PEC IV.

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  4. Zé Carlos,
    no curto prazo não vamos poder escapar a mais integração - não há outra saída. e nem que seja bem sucedida vai ser muito dura. Não há saídas fáceis desta crise - eu bem que gostava que houvesse.

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