sábado, 20 de outubro de 2012

Este mundo é feito de mudança, mas infelizmente só tem mudado para pior


Em Maio de 2010, mostrando que também leio os clássicos, escrevi na antiga Destreza um poste sobre a mudança do mundo, motivado por uma entrevista do então Primeiro-Ministro José Sócrates, em que afirmou ser errado reduzir os salários dos funcionários públicos – a Espanha já tinha anunciado um corte. Para mim era na altura óbvio que também teríamos de passar por isso. Mas, sim, é verdade, até há dois anos discutíamos se seria necessário reduzir salários da função pública.

Repita, se faz favor: até há dois anos discutíamos se seria necessário reduzir salários da função pública.

Em 29 de setembro de 2010, José Sócrates lá foi obrigado a anunciar um corte médio de 5% nos salários dos funcionários públicos. Que se mantém em vigor: no meu verbete consta desde janeiro de 2011 - Redução de Vencimento = 343,61 euros. No final do Verão de 2011, para fazer face ao desvio colossal, o novo governo PSD/CDS anunciou a sobretaxa especial sobre o subsídio de Natal. No início do Outono de 2011, recebemos a notícia choque (mesmo para mim!) que aos funcionários públicos, em 2012, seriam cortados até dois salários. Ou seja, no meu caso, receberia menos três salários do que em 2010. 

Para quem estuda a economia portuguesa e segue com alguma atenção as decisões de política económica, parece desnecessário recordar estes factos. Ainda estamos no início do processo de ajustamento, acontecendo este num contexto internacional recessivo. 

Repita, se faz favor: Ainda estamos no início do processo de ajustamento, acontecendo este num contexto internacional recessivo.

Mas, infelizmente, é necessário recordar estes factos. Foi a leitura do artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje que me recordou que a memória das pessoas é muito curta e que sem memória perdemos a ligação ao real – levando, porventura, ao pensamento balofo de que fala Pacheco Pereira.

O artigo de Pacheco Pereira, reflectindo em certa medida o que se passa na rua, mostra a dificuldade das elites e de grande parte dos fazedores de opinião em aceitar o caminho muito estreito que Portugal tem pela frente e a sua dependência do exterior. Este artigo, como o de 29 de setembro do mesmo cronista, ilustra, como talvez nenhum outro, aquela resistência. Mas ilustra também a incapacidade de propor alternativas. No caso de Pacheco Pereira, com a excepção da proposta de mudança de governo, esta incapacidade de apresentar propostas é tão mais notória quanto ele tem vindo a referir a necessidade de alternativas, que depois não propõe. Talvez no artigo do próximo Sábado...

Artigos como os daquele cronista, que hoje grassam na imprensa nacional, fazem-me lembrar aqueles ditos que há uns anos surgiam nas manifestações anti-globalização: Um mundo melhor é possível… 

Refiro o exemplo de Pacheco Pereira, porque esteve desde o início, isto é, desde ‘discurso da tanga’ de Durão Barroso em 2002, ao lado dos que defenderam a necessidade de correção dos desequilíbrios nas finanças públicas – sendo aliás um dos aliados de Manuela Ferreira Leite nesse combate.

É verdade que o mundo mudou muito desde o ‘discurso da tanga’ e do tempo em que Manuela Ferreira Leite foi candidata ao lugar de primeiro-ministro. E mudou desde a crise da dívida soberana de 2010. E mudou desde a assinatura do memorando de entendimento com a troika em 2011. E tem mudado com a subida do preço do petróleo. E está a mudar com uma nova recessão na zona euro. E vai mudar com o pedido de resgate da Espanha. Ou seja, o mundo tem mudado e vai continuar a mudar nos tempos mais próximos. Infelizmente, só tem mudado para pior e deve ser essa a trajectória nos tempos mais próximos.

Repita, se faz favor: o mundo tem mudado e vai continuar a mudar nos tempos mais próximos. Infelizmente, só tem mudado para pior.

Eu também esperava muito mais deste governo e acho que tem fazer muito melhor. No entanto, neste contexto de elevada incerteza, a estabilidade política e o cumprimento das condições impostas pela troika são a melhor escolha que podemos fazer.

Repita, se faz favor: neste contexto de elevada incerteza, a estabilidade política e o cumprimento das condições impostas pela troika são a melhor escolha que podemos fazer.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Horror e fim

Nos primeiros meses de 1945, no meio de um inverno rigoroso, milhões de alemães tentavam desesperadamente não cair nas mãos dos bolcheviques. O pânico era enorme, sobretudo depois das primeiras amostras de atrocidades, impensáveis mesmo nas noites mais escuras, cometidas pelos russos à medida que avançavam em direcção a Berlim. A sede de vingança dos bolcheviques era insaciável. As chefias exigiam que não se exibisse qualquer espécie de piedade, relembrando com insistências o que os alemães haviam feito às mulheres e aos filhos da Rússia.
“Tenho esperança num fim com horror, em vez de um horror sem fim”, tornou-se naquela época uma frase comum entre os alemães.

O guardanapo de Gaspar

Ontem o Luís interrogava-se sobre o modelo de Gaspar. Pois bem, descobri o guardanapo que contém os cálculos para os 50000 empregos gerados pelas alterações da TSU. Aqui vão:
+ total de trabalhadores por conta de outrem em 2011: 3,815 milhões  (PORDATA / INE)
- funcionários públicos em 2010: 516 mil ( PORDATA)
(A) Total trabalhadores por conta de outrem sector privado: 3,299 milhões.

(B) Elasticidade agregada da procura de trabalho: -0,3 (Cahuc & Zylberberg, 2004, p.210).
(C) Redução da TSU empregadores: -5,75 pontos percentuais.

Efeito no emprego: 3,299*(-0,3)*(-5,75/100)=0,056908 milhões (ou seja, arredonda-se por defeito para os 50 mil).

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Bien sûr, Monsieur President

François Hollande declarou ontem que "não é possível impor uma prisão perpétua a algumas nações que já fizeram sacrifícios consideráveis, se os seus povos não vêem os resultados desses esforços".
Alguns viram logo estas palavras como uma luz ao fundo do túnel da desgraça indígena. O desespero tem destas coisas. Hoje, o jornal Público, no seu editorial, até decidiu expressar um merci ao Monsieur President. E o Público explica que “nesta declaração há não só uma declaração ética sobre a austeridade como uma constatação realista dos seus efeitos.”
Provavelmente, os editorialistas do Público esqueceram-se que Hollande apresentou recentemente um orçamento de austeridade, que vai contra tudo o que o homem tem andado a pregar. Dans la realité, cela se passe autrement.
Ontem, Hollande declarou ainda que "a Europa da moeda única – “requer uma nova forma de governar” e “deve assumir uma dimensão política”. Hoje, em resposta a declarações de Merkel, o governo francês já fez saber que não aceita novas transferências de soberania" para a UE em matéria orçamental.”  
A manifestação de solidariedade com a dor dos gregos e portugueses não passou de um pretexto para Hollande pressionar a Alemanha a abrir os cordões à bolsa. E a “nova forma de governar” invocada pelo Presidente resume-se basicamente a isto: os alemães têm de pagar as políticas de crescimento económico. Da França. Bien sûr.

Terei descoberto o modelo de Vítor Gaspar?

Ontem fiz umas contas nas costas de um guardanapo, para explicar a uma amiga que estava de visita a Portugal o impacto recessivo das medidas de austeridade.
Imaginem um país com um PIB de cerca de 166.500 milhões de euros com um Estado que apresenta um défice orçamental de 10.000 milhões de euros, ou seja, com um défice orçamental de 6% (10/166,5=0,06). Suponham que o governo desse país resolve levar a cabo medidas fiscais de austeridade com um impacto imediato de 5.000 milhões de euros. Qual será o impacto de tal política no défice?
O impacto imediato é o da redução do défice de 10 para 5 mil milhões de euros. No entanto, é preciso ter em atenção que o PIB vai contrair como consequência desta política o que levará a uma diminuição das receitas fiscais. Já toda a gente sabe que, de acordo com o FMI, o multiplicador fiscal andará entre 0,9 e 1,7. Considerando o ponto médio, ou seja 1,3, é de esperar que a queda do PIB seja de 6.500 milhões de euros (5x1,3=6,5). Dado que as receitas de impostos representam um pouco mais de 35%, de uma forma bastante grosseira podemos estimar a queda de receitas que decorre desta quebra do PIB em cerca de 2,275 milhões de euros (6,5*0,35=2,275).
Juntando todas estas contas, e admito que tudo isto é bastante grosseiro, ficamos com um défice de (10.000-5.000+2.275)/(166.500-6.500)*100. Quanto é que dá? Como certamente já adivinharam, isto tudo acaba num défice de 4,5%. E esta?

Orçamento e alternativas (3)

O Fernando diz aí em baixo que eu coloco a minha "esperança no regresso do crescimento económico". Sobre isso gostaria de dizer duas coisas:
  1. O caminho que defendi como sendo razoável trilhar a curto e médio prazo é independente de a taxa de crescimento do PIB ser de mais 0,3% ou menos 2%. O que é relevante para a minha argumentação é o pressuposto de que qualquer que fosse o crescimento, o anunciado napalm fiscal faz com que seja ainda pior. Quando muito, o facto de as perspectivas futuras serem pouco animadoras apenas reforça a minha preocupação: quanto maior for a quebra do rendimento, mais estúpido é aumentar os impostos sobre o rendimento.
  2. O Fernando pega nas previsões do FMI para pôr de parte a hipótese de haver crescimento. Ora, ou as previsões do FMI são para levar a sério ou não. Se não são, não devem ser usadas como argumentação, se são então levemos as suas consequências até ao fim. Para Portugal o FMI prevê uma queda do PIB de 1%. Juntando esta informação aos multiplicadores fiscais estimados pelo mesmo FMI (mesmo considerando que o multiplicador é de 0,5 inicialmente estimado e não o de 1,3 reestimado no documento a que Fernando nos remete) conclui-se que a taxa de crescimento não seria negativa caso se mantivesse para 2013 a política fiscal de 2012.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Alternativas, vindas da Europa

Título da notícia da entrevista de François Hollande ao Público:
'Portugueses e espanhóis precisam de 'uma perspectiva que não seja apenas a da austeridade'.

Esta entrevista, como a de Mário Draghi em julho, mostra que estamos mais perto de uma solução europeia. A solução de curto prazo passa necessariamente por aí.

Mas é importante que todos percebam o que está subjacente àquela perspectiva. E François Hollande é claro em relação a isso:

"a Europa da moeda única – “requer uma nova forma de governar” e “deve assumir uma dimensão política” (...) “Estou consciente da sensibilidade dos nossos amigos alemães perante a dívida. Quem paga deve controlar, quem paga deve sancionar”." 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Orçamento e alternativas (2)


Muito se tem escrito sobre as alternativas às actuais políticas decorrentes da assinatura do memorando de entendimento entre o Governo português e a troika. Desde o artigo, quase cómico, de Pacheco Pereira, no Público de 29 de Setembro, onde diz que já não pode ouvir dizer ‘que não há alternativas’ e que como alternativa sugere uma medida que depois diz já não poder ser alternativa, a Bagão Félix cuja preocupação central são os reformados como ele próprio afectados pelos cortes, a Pedro Lains e Luís Aguiar-Conraria que parecem colocar a sua esperança no regresso do crescimento económico. Há depois muitas pessoas a falarem da existência de alternativas, mas que não chegam a 'sistematizá-las'. E há ainda a alternativa de João Ferreira do Amaral, que defende a saída do euro – no fundo esta é a única proposta alternativa coerente, mas cujos resultados seriam desastrosos para a economia portuguesa.

A única alternativa efectiva em termos de política económica – acredito que subjacente em alguns dos casos que menciono acima – é a renegociação do memorando de entendimento com a troika. No entanto, para poder ser de facto uma alternativa, a renegociação terá de ser da iniciativa da União Europeia e tomada no âmbito de uma política global para a zona euro.
  
Em primeiro lugar, a Comissão Europeia é uma das principais responsáveis pela actual crise na zona euro. Por um lado, permitiu as constantes violações (explícitas e implícitas do PEC), permitindo assim a acumulação de défices e de dívida pública que viriam a resultar nas crises de dívida soberana. Por outro lado, os défices colossais em Portugal, na Espanha e na Grécia, em 2009, foram sancionados e estimulados pela Comissão Europeia, agravando ainda mais os desequilíbrios na zona euro e dando origem aos processos de consolidação orçamental que ainda hoje vivemos. Um exemplo: em 2009, a taxa de crescimento do PIB na Alemanha foi -5%, e o défice orçamental 3%. Em Portugal e na Espanha, em 2009, as taxas de crescimento do PIB foram -2,9% e -3,7% e os défices 10,2% e 11,2%, respectivamente. Ou seja, a União Europeia tem a obrigação de ajudar a resolver um problema que ajudou a criar.     

Em segundo lugar, a União Europeia terá de rever todos os programas de ajustamento porque o panorama para o crescimento económico nas economias desenvolvidas, incluindo a zona euro, é simplesmente desolador. De facto, no WEO do FMI publicado a semana passada, de muito maior relevo, para a discussão da saída da crise da economia portuguesa, que a Caixa com as estimações dos efeitos multiplicadores, é a Tabela 1 (pp. 2) com as projeções de crescimento económico. Com estas previsões não é só a dívida portuguesa que se vai tornar incontrolável. Também por esta razão a União Europeia vai ser obrigada a mudar a abordagem seguida até ao momento.

E esta é de facto, pelo menos no curto prazo, uma alternativa, porque será uma resposta europeia à crise e não apenas à crise portuguesa por não termos cumprido o programa acordado.

No entanto, confesso que também não estou muito optimista em relação aos efeitos de médio e longo prazo dessa solução para a crise da União Europeia, como já escrevi aqui com o Pedro Bação. Mas para lá chegarmos precisamos de resolver urgentemente as dificuldades de ajustamento de curto prazo.

Orçamento e alternativas (1)

A agitação que se sente no ar e, por vezes, nas ruas, desde o início de Setembro, resulta da surpresa que todos sentimos quando foram conhecidos os resultados decepcionantes da execução orçamental em 2012. O próprio governo, incluindo o ministro das finanças, parece ter perdido o norte com aquelas notícias – é a minha explicação para a proposta trapalhona para a TSU e outras confusões ‘governativas’.

De facto, os resultados para a execução orçamental mostraram duas coisas. Em primeiro lugar, que pode ser impossível corrigir o défice, e estancar o crescimento da dívida pública, no contexto recessivo e de estagnação que atinge Portugal e grande parte dos seus parceiros comerciais da zona euro. Ficou também claro que a austeridade pode ser altamente recessiva, e que esta, por sua vez, pode impedir a consolidação orçamental.

Em segundo lugar, os resultados da execução orçamental mostraram que os portugueses não tinham ainda tomado consciência do quão difícil ia ser o ajustamento. No entanto, pensar que se corrigiam os desmandos de 20 anos, e o mais irresponsável dos défices, o de 2009, com um orçamento, só pode resultar do desconhecimento da gravidade dos desequilíbrios de que a economia portuguesa padece (e do contexto internacional em que acontece). Também aqui o governo tem muitas responsabilidades, a começar pelo Primeiro-Ministro – o discurso de final de Agosto pareceu mostrar que ele próprio desconhece que a correção dos desequilíbrios da economia portuguesa tem ainda alguns anos pela frente. Está a ser, como se previa, muito difícil aos políticos portugueses adequarem o seu discurso: nestes tempos e nos mais próximos, a única coisa que os políticos terão para distribuir são sacrifícios. E é na equidade dessa distribuição, e da sua percepção pela opinião pública, que assenta a estabilidade da democracia portuguesa.

De facto, a correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa passa pela redução do endividamento privado, das famílias e das empresas, e, logo, pela redução do consumo e do investimento – com forte probabilidade, essa redução manter-se-á, em 2013, em níveis semelhantes aos deste ano (sim, acho as previsões do orçamento optimistas). Essa queda no consumo e no investimento gerará efeitos recessivos na economia. Os sectores que utilizam mais mão-de-obra, os não-transacionáveis, serão os mais afectados, e, também por isso, o desemprego continuará galopante. Mas, provavelmente, os resultados para a nossa balança de bens e serviços serão novamente surpreendentes.

E o Estado tem também de corrigir os seus desequilíbrios – que resultam do inexorável, e insustentável, crescimento da despesa pública nas últimas três décadas. No entanto, a redução da despesa, porque são também quase sempre reduções rendimentos das pessoas (tal como o aumento dos impostos), não é fácil de fazer (e o Tribunal Constitucional não gosta delas!). 

Se o governo, na proposta de orçamento para 2013, tivesse optado por políticas menos restritivas, o défice orçamental ia aumentar – e isso não pode acontecer. Com este orçamento a correção do défice pode não ser muito grande e ser até, uma vez mais, uma desilusão, mas, no actual contexto, não há alternativa – pelo menos para mim, que não consigo vislumbrar futuro fora da zona euro e da União Europeia.

domingo, 14 de outubro de 2012

Pequenos passos (actualizado em 21 de Outubro)

Subiram-se diversos impostos e cortaram-se dois vencimentos aos funcionários públicos e reformados. Sequencialmente, o desemprego disparou para os 16% e reduziu-se o défice de 7,1% em 2011 para 6,3% em 2012. Para 2013, foi anunciado mais do mesmo. Quem acredita que estes cortes draconianos são a política correcta, precisa de quanta evidência em contrário para concluir que estão errados? No meu caso, bastaram os números do défice de 2012.
Foi este o mote para um artigo de opinião que ontem o Público teve a gentileza de publicar e que republico aqui uma semana depois:

Quando foi anunciado o pacote de austeridade para 2012, assustei-me com a dimensão dos cortes. Juntando ao de 2011, eu perderia cerca de 25% do meu salário. Apesar de tudo, e acreditava nisto com convicção, pensava que se a terapia de choque permitisse ir além do acordado com a tróica, reduzindo o défice para menos de 4,5%, valeria a pena.
Sabemos os resultados: subiram-se diversos impostos e cortaram-se dois vencimentos aos funcionários públicos e reformados. Sequencialmente, o desemprego disparou para os 16% e reduziu-se o défice de 7,1% em 2011 para 6,3% em 2012.* Para reduzir o défice em 0,8 pontos percentuais era mesmo necessário tanto corte? Ou, pelo contrário, os efeitos recessivos foram tão fortes que a política seguida se derrotou a si mesma? Só não digo que não serviu para nada porque, de facto, o défice das contas com o exterior está quase anulado.
Para 2013, foram anunciadas medidas adicionais de um valor ainda desconhecido mas que ficará algures entre os 5 e os 6 mil milhões de euros. A história recente sugere que, na melhor das hipóteses, conseguiremos reduzir o défice de 6,3% para 5,5%, que o desemprego disparará para valores acima dos 17% e que o PIB cairá cerca de 2%.
Quem acredita que estes cortes draconianos são a política correcta, precisa de quanta evidência em contrário para concluir que estão erradas? No meu caso, os números para o défice de 2012 obrigam-me questionar as minhas certezas e a pensar em alternativas.
Políticas despesistas acentuariam o desequilíbrio externo. Uma política prudente seria manter a despesa pública e as taxas de impostos estáveis (fazendo os ajustamentos exigidos pelo Tribunal Constitucional). Com toda a probabilidade, o PIB pararia de cair em 2013 e as receitas fiscais cresceriam com o crescimento da economia. O crescimento económico seria maior se se obrigasse empresas com mercados protegidos a cobrar preços concorrenciais - de resto, é para isso que existem os reguladores sectoriais. A combinação do aumento de receitas fiscais, com algum crescimento económico, mesmo que sofrível, com alguns cortes que se pudessem fazer na despesa - redução de consumos intermédios, um corte feito com seriedade nos gastos com fundações e PPP e alguma racionalização de serviços públicos -, seria suficiente para fazer cair o défice em percentagem do PIB para um valor próximo do que vai ser obtido com os aumentos draconianos nos impostos. Se, a nível europeu, vier a ser criada uma taxa Tobin sobre transacções financeiras, estes efeitos serão maiores e compensarão algum excesso de optimismo da minha parte relativamente ao crescimento do PIB.
Apesar de corrigido o défice externo, convém não esquecer que tal aconteceu devido ao aumento do desemprego e queda de rendimentos de parte da população, que levou a uma quebra da procura interna e, portanto, das importações. Adicionalmente, o aumento das exportações ainda não está consolidado. Para garantir um equilíbrio externo e duradouro, é crucial que futuros aumentos da procura interna sejam resultado de aumentos das exportações.
Um empurrão adicional às exportações pode ser conseguido com a TSU como instrumento preferencial. O Professor Caldeira Cabral propôs uma queda significativa da TSU apenas para sectores sujeitos à concorrência internacional, o que teria impacto orçamental limitado. Mais tarde, quando houvesse condições orçamentais, poder-se-ia alargar a redução da TSU a toda a economia. Quer para garantir a aprovação da Comissão Europeia, quer porque é do nosso interesse a longo prazo, deve ficar absolutamente claro que esta diferenciação de impostos é temporária. A criação de linhas de empréstimos específicas para o apoio à actividade exportadora, podendo para isso usar-se parte dos fundos da tróica destinados à banca, seria também muito bem recebida pelas empresas. Se a Caixa Geral de Depósitos não é usada com este fim num momento de emergência nacional, então para que serve a Caixa nas mãos do Estado?
Para conter o aumento da despesa interna devem-se iniciar reformas estruturais na Segurança Social, que são inevitáveis, passando de um sistema de repartição para um sistema de capitalização. O aumento da taxa de poupança daí decorrente garantiria que a um crescimento do PIB corresponderia um aumento menos do que proporcional da procura interna.
Como seriam aceites internacionalmente estas políticas? É óbvio que todas estas medidas não podem ser seguidas à revelia da tróica. Adicionalmente, para ter credibilidade, seria necessário um pacto entre os três partidos do arco governativo que garantisse que a despesa pública não aumentaria durante um período alargado de tempo - 5 anos, digamos. Firmar-se-ia este compromisso na lei do enquadramento orçamental exigindo dois terços dos votos para ser alterada. Como forma de controlo, exigir-se-ia que cada Orçamento de Estado só entraria em vigor depois de ratificado pelo Tribunal de Contas, garantindo que a despesa orçamentada não excede a do ano anterior.
Se credível, o compromisso teria dois efeitos essenciais: (1) no curto prazo, travar-se-ia esta política que cria tanto desemprego e dar-se-ia a necessária estabilidade às empresas para investir; (2) no longo prazo, o Estado teria de redimensionar-se. Com a despesa pública estável em termos reais, o crescimento do PIB será suficiente para que, no fim deste período, a despesa pública represente menos de 40% do PIB, um valor bem abaixo da média europeia. A enorme vantagem de seguir uma política de pequenos passos é que se um deles estiver errado, não nos afastamos muito na direcção errada.
O consenso político é difícil de alcançar, mas ou se consegue agora ou nunca mais. Tem de se resgatar o "espírito" do memorando quando foi assinado - uma oportunidade para reforma - corrigindo medidas que falharam e garantindo que, havendo um compromisso a médio prazo sobre contenção da despesa, futuros governos ainda terão liberdade para fazer escolhas. Consensos e compromissos nalgumas áreas são a condição para que haja alternativas futuras noutras.

* Considero o valor de 7,9% para 2011, que corresponde ao défice sem a transferência dos fundos de pensões dos bancos corrigido dos efeitos da Madeira (0,4%) e do BPN (0,4%). Para 2012, sabe-se que no primeiro semestre o défice foi de 6,8%. O número de 6,3% é o que provavelmente se obteria sem medidas extraordinárias.

sábado, 13 de outubro de 2012

Nuno Crato demite-se?

Em 2012, passava-se algo estranho. Um assistente universitário que concluísse o doutoramento passava por imperativo legal para professor auxiliar, continuando a ser pago como assistente. Mas um professor auxiliar contratado na mesma universidade por concurso seria pago como professor auxiliar. Assim, na mesma instituição podem conviver dois docentes contratados como professores auxiliares no mesmo dia, com exactamente os mesmos direitos e obrigações, estando um a receber como professor auxiliar e outro como assistente. Esta situação viola de forma óbvia o preceito constitucional de que a trabalho igual corresponde salário igual (Artigo 59º: 1. Todos os trabalhadores (…) têm direito: a) À retribuição do trabalho (…), observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna). Esta ilegalidade afecta cerca de 0,2% dos professores universitários.

Há umas semanas, o ministro da educação anunciou o que no entender dele era uma mera correcção de uma ilegalidade: todos os docentes do Ensino Superior contratados nas categoria de professor auxiliar passariam a ter as remunerações correspondentes a essa categoria, em vez de serem remunerados como assistentes, categoria profissional que deixou de existir por imposição legal, diga-se de passagem.

As notícias de hoje a respeito do Orçamento de Estado para 2013 dizem que afinal alguns professores auxiliares continuarão a ser pagos como assistentes. Ou as notícias são mentira, ou então, no entender do Ministro da Educação e Ciência, vai-se manter uma ilegalidade nas universidades por ele tuteladas. Sendo assim, não resta a Nuno Crato outra hipótese que não seja a demissão.

PS Professores-adjuntos (politécnicos) e coordenadores (carreira de investigação) estão em situação similar à dos auxiliares, mas como não tenho conhecimento directo da situação, para evitar imprecisões, não referi na entrada principal.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Prémio Nobel da Paz

É certo que o Nobel da Paz é um prémio político, mas por isso mesmo é necessário um cuidado adicional ao atribuí-lo. Depois de há uns tempos o terem atribuído a Barack Obama, recém-eleito presidente dos EUA, agora atribuí-lo à União Europeia leva a credibilidade deste prémio para as ruas da amargura. Quem o receberá a seguir? A Adriana Xavier?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Exportações, ouro e combustíveis


O jornal i e Luís Rocha (LR), no Blasfémias, destacam o crescente peso nas exportações das vendas de ouro e combustíveis. Se no caso do ouro deverá corresponder essencialmente a uma transferência de riqueza acumulada, no caso das exportações de combustíveis é de referir a forte componente importada.
Na tabela acima  mostro a evolução homóloga da Balança de Mercadorias, de janeiro a agosto, excluindo quer os metais preciosos quer os combustíveis. Sem estas duas classes de produtos, as exportações cresceriam ainda assim 6,2%, um valor inferior em um terço se considerarmos a totalidade de produtos (9,6%). Em termos reais, o crescimento deverá ser na ordem dos 4%. Por outro lado as importações diminuiriam 8,4%, o dobro da queda das importações totais. A variação do saldo em volume manter-se-ia, com uma redução na casa dos 4300 milhões de euros, embora com um contributo mais significativo da redução das importações.
Em suma, ainda é cedo para falar numa alteração profunda da estrutura da economia portuguesa. Há sinais positivos, até porque não estamos a ter em conta as exportações de serviços, mas não deixa de ser relevante que 2/3 da diminuição do déficit externo se deva à diminuição das importações.


domingo, 7 de outubro de 2012

Espanha à espera do resgate

No primeiro debate com Obama, Mitt Romney referiu o caso de Espanha para ilustrar aquilo que não quer para os EUA. Segundo o candidato mórmon-republicano, a Espanha gasta 42% da sua riqueza com o Estado, o mesmo acontecendo neste momento nos EUA – Obama não contestou os dados.
À primeira vista, o principal problema de Espanha não é o peso das despesas do Estado. Segundo dados do Eurostat, em 2011, os gastos públicos em Espanha ascendiam a 43,6%, abaixo da média da União Europeia, que supera os 49%, sendo a França, a Bélgica, a Dinamarca e a Finlândia os campeões nesta matéria, com o Estado a pesar mais de 53%. O problema é que os gastos públicos espanhóis são em larga medida ineficientes e, sobretudo, são incomportáveis para o rendimento gerado pelo país. E, como relembrou Romney, numa situação de recessão, as contas públicas não se equilibram com aumentos de impostos.
A referência a Espanha como exemplo de um fracasso não é, todavia, novidade. Sarkozy fez o mesmo recentemente na campanha eleitoral para as presidenciais em França. Obviamente, este tipo de comentários não são fáceis de engolir num país que até há meia dúzia de anos era apontado como um milagre. Andar de cavalo para burro é sempre uma experiência dolorosa.
Na quinta-feira, Luis Maria Linde, Governador do Banco de Espanha, e um economista respeitado em Espanha, chamou a atenção, no Congresso, para a enorme probabilidade de não se cumprir o défice público de 6,3% previsto para este ano. Em relação ao orçamento de 2013, considera optimista a previsão do governo de queda do PIB de apenas 0,5% - sendo, na sua opinião, 1,5% o valor mais realista. Em consequência, as receitas fiscais também devem estar sobrestimadas, sugerindo Linde “medidas de ajuste adicional”. Ainda esta semana, um ex alto dirigente da Moody’s afirmou que a Espanha tem o maior problema de dívida soberana desde o caso da Alemanha em 1931.
Entretanto, paira a ameaça de independência da Catalunha, que, embora improvável, tornou evidente para toda a gente o fracasso de um modelo autonómico, consagrado na constituição de 1978, e elogiado durante anos por muitos. De repente, os espanhóis descobriram um Estado ingovernável, um labirinto de competências e autoridades, que devora milhares de milhões só em despesas de funcionamento. A reforma deste modelo é agora motivo para discussões acaloradas.
Como se tudo isto não bastasse, segundo dados do Ministério de Empleo, referentes a Outubro de 2011, 22% da população encontra-se abaixo do limiar da pobreza – essa percentagem era de 18% em 2007. Por seu lado, na época de maior crescimento, a taxa de desemprego rondava os 8% e agora ronda os 25%.
E é neste estado calamitoso que a Espanha se prepara para receber a terapia de choque da troika. Para nosso bem, esperamos que resista ao tratamento.

sábado, 6 de outubro de 2012

DOIS RIOS PARALELOS

Pacheco Pereira
http://abrupto.blogspot.pt/2012/10/coisas-da-sabado-dois-rios-paralelos.html

A contestação ao governo passa hoje por dois rios, caudalosos, prestes a sair das margens, mas que são distintos e paralelos. 

O RIO DE 15 DE SETEMBRO 

Um dos rios, o mais caudaloso, mas sem foz à vista, fazendo o seu leito de cheias e secas, é o das manifestações como a de 15 de Setembro, apenas comparável á que antecedeu a queda do José Sócrates, conhecida como a da “geração á rasca”. O mito diz que foi convocada nas redes sociais, mas a realidade é que foi convocada pelos jornais e pela televisão, pela activa e militante simpatia de muitos jornalistas com um tempo de antena excepcional, e foi “convocada” porque as peripécias da TSU entre o Pedro Primeiro-ministro e o “Pedro” do Facebook, mais a logomaquia de Gaspar, encheu o copo da “paciência” do bom povo português. 

 Os jornais fazem reportagens sobre os “autores” do protesto nas redes sociais, numa típica ilusão de autoria, convencidos que foram eles que trouxeram muitos milhares de pessoas à rua. Puro engano, muitas vezes os mesmos, quando isolados do amplificador comunicacional, nem cem pessoas trazem à rua. Há muito mais manifestações falhadas com a mesma origem do que sucedidas. São os mesmos e actuam nas mesmas redes, mas os resultados são abissalmente diferentes. Aliás, se não houvesse TSU, a manifestação de 15 de Setembro seria muito parecida com outras com a mesma origem, com dificuldade em atingir um milhar. Foi assim com a manifestação anti-Relvas, com as “assembleias populares”, ou a concentração dos “defensores da cultura”, que nem cem pessoas tinha 

Mas não foi. O caso da manifestação de 15 de Setembro, o sucesso deveu-se a uma razão: foi não-partidária e mesmo anti-partidária, e foi contra a “situação”. A “situação” é tudo: TSU, troika, governo, partidos, políticos, “regime”, “sistema”, Presidente, Assembleia, deputados, comentadores, jornalistas, juízes, magistrados, tudo. Teve lá desde a extrema-esquerda até à extrema-direita, mas o grosso da multidão é apenas extrema na sua recusa do presente e na sua desesperança face ao futuro. Estão com raiva. 

É um poderoso movimento de protesto, mas no dia seguinte pode ser apropriado ilusoriamente pela mesma “situação” que tinha sido insultada e vaiada no dia anterior. Os elogios à manifestação, vindos de governantes e do PSD e do PS, soam a falso, mas traduzem, para além do oportunismo de ocasião, uma maior facilidade por parte do sistema político para “integrar” essa realidade que lhes parece inconsequente do ponto de vista político. Houve descontentamento? Certamente que houve, dirá um deputado da maioria, mas foi “pacífico” e “ordeiro” e nós podemos ouvi-lo porque não somos surdos, mas como não o encontramos nas esquinas da Assembleia, nem dentro do partido, nem em qualquer “força de bloqueio”, seja o Tribunal Constitucional, seja o Presidente, podemos fazer de conta e andar para a frente. Prestamos-lhe um elogio formal qualquer de circunstância, mas podemos passar á frente, porque não conta, não está no “sistema”, não nos ameaça. É cegueira quanto ao fundo, mas não deixa de ter alguma razão a curto prazo. 

 O RIO DE 29 DE SETEMBRO 

O outro rio está igualmente caudaloso, mas tem foz e leito e sabe muito bem o que quer e di-lo cada vez mais. A manifestação da CGTP era muito mais difícil de fazer com sucesso do que a de 15 de Setembro. Não contava com a mesma simpatia comunicacional que a de 15 de Setembro, e teve que ser sujeita a uma agenda comunicacional assente na comparação de números com a anterior. Com toda a força que tem o pensamento débil, parecia que as redacções não queriam fazer mais nada do que saber se uma era maior do que a outra, se a multidão cabia no Terreiro do Paço cuja medida “cientifica” foi contraposta á de uma Praça de Espanha, nunca medida, nem cheia. A tendência para o exagero dos números de dia 15, contrastava aqui com a minimização, e como a cabeça não dava para muito mais, não viam o muito que havia para ver de novo no dia 29 de Setembro. Da mesma maneira que elogiavam a manifestação de 15 de Setembro para a engolir, o establishment fazia de conta que a 29 apenas tinha havido um remake das sempre iguais e sensaboronas manifestações da CGTP. 

Sindicatos e CGTP são para eles “velhos”, desinteressantes e de cassete, e prestaram pouca atenção ao facto de Arménio Carlos ter feito o mais violento discurso comunista desde o PREC, a milhas do moderado Jerónimo de Sousa, dirigindo-se quase sempre aos “camaradas” e só no fim se lembrou dos “amigos e amigas”. Não viram a multidão a cantar A Internacional, não viram aquilo que foi o mais evidente sinal de uma radicalização nas fileiras do PCP desde há anos de crise. Ora isso não só é novo, como dá uma dimensão que ao governo e o poder devia suscitar as maiores preocupações. Até porque se deve ao PCP e quase só ao PCP e à CGTP o clima de “paciência” do povo português e não haver violência nas ruas. Arménio Carlos afirmou que a CGTP não permitiria violência na sua manifestação e quem lá estava sabe que isso é para tomar á letra, como sabe a polícia que confia mais no serviço de ordem da CGTP do que em milhares de efectivos. O PCP, por cultura política, despreza a violência folclórica dos esquerdistas actuais, mas é tudo menos um touro manso. 

A CGTP e o PCP estão cada vez mais a dar expressão a uma radicalidade que vem de baixo, dos locais de trabalho, seja na função pública maltratada, seja nas fábricas onde há despedimentos colectivos, seja em sectores de trabalhadores que são tratados com desprezo por administrações que estão a rasgar acordos que assinaram há um ano. Se houver greve geral podem ter a certeza que será muito mais dura. Pode até haver menos grevistas, mas os piquetes vão tomar a sua função a sério. Porque este não é o mundo das raparigas a abraçar polícias e depois andar a tirar fotografias em pose para revistas cor-de-rosa. 

 A FOZ DOS RIOS 

No dia em que a planície entre estes dois rios for inundada e as águas se juntarem numa mesma foz, a rua tornará ingovernável o país. É raro, vem pouco nos manuais, apenas nos melhores, mas está cada vez mais perto de acontecer.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Agora são os franceses II

Só uma pequena nota, que a falta de tempo não dá para mais. O que está a ser proposto em França é uma diminuição das contribuições das empresas para a Segurança Social por contrapartida de um aumento da Contribution Sociale Généralisée. Há jornais a dizer que Hollande copiou Passos Coelho. Não é verdade.

A Contribution Sociale Généralisée incide sobre todos os tipos de rendimento, incluindo mais valias de capital, venda de património imobiliário, dividendos, juros, pensões, rendas e tudo o resto de que se lembrem. Não é, de todo, comparável com o que foi proposto em Portugal, onde se propôs uma redução dos impostos sobre os salários compensado por um aumento dos impostos sobre os salários.

Seria comparável se ontem o ministro tivesse anunciado que em contrapartida do enorme e generalizado aumento de impostos a TSU ia baixar. Não o fez, pode ser que ainda o venha a fazer.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Há limites para a austeridade?

Em Agosto de 1944, os aliados e os russos estavam às portas da Alemanha e começava a instalar-se o pânico na população e no exército alemães. Joseph Goebbels, o frenético e fanático ministro da propaganda nazi, tentava desesperadamente recrutar homens para a “guerra total”, uma guerra de tudo ou nada, ou vitória ou derrocada final. Sugeriu a Hitler a suspensão da produção de cerveja e doces. O führer bateu o pé. Receava as repercussões psicológicas na população e no exército resultantes da privação desses bens. Até ao fim, Hitler manteve intacto o seu instinto para evitar o descontentamento popular. Já agora, acrescente-se que Estaline também nunca suspendeu a produção de doces.

Moral da história? Até à beira de um colapso total, há limites para a austeridade.

Mudam-se os tempos, muda-se o ser (II)

Em Março de 2011, Passos Coelho comunicou ao país que o PSD votaria contra o chamado PEC 4, provocando assim a queda do governo de má memória de Sócrates. Razões invocadas? Primeira, os portugueses não aguentavam mais impostos e cortes cegos na despesa pública; segunda, Sócrates teria apresentado em Bruxelas o famoso pacote de austeridade nas costas do PSD, o que na altura desencadeou uma grande indignação geral. A primeira objeção já nem merece comentários. A segunda, além de se ter provado posteriormente ser falsa, revelou-se hipócrita. Durão Barroso fez o favor de nos comunicar que a Comissão europeia apoia as novas medidas apresentadas pelo governo, que ninguém, fora do inner circle do primeiro-ministro, conhece ainda em Portugal – se calhar, nem o presidente da República.