domingo, 6 de maio de 2012

Uma personagem de Dostoievski na Campanhã

No dia seguinte à minha participação no Prós e Contras tive um estranho encontro na estação de Campanhã. Entrei num café e o meu olhar cruzou-se com o de um jovem sentado na mesa do lado. Tenho o hábito de olhar nos olhos mesmo as pessoas que não conheço. Sentei-me e voltei a observar o jovem que me olhava fixamente - podia ser um ex-aluno. Tinha a aparência de um jovem revolucionário anarquista de finais do século XIX, início do século XX - podia ser a personagem de um romance de Dostoievski. Comia uma sopa, acompanhada de um copo de água, e era muito magro. Disse-me: 
- É economista, não é?
- Sou. - respondi.
- Só podia ser economista, com as barbaridades que disse ontem à noite... - redarguiu.
Continuou perguntando-me se era de direita. Respondi-lhe que, sendo esse o leque de escolhas, seria provavelmente de esquerda. Não me deu tempo para justificar. Atirou-me uns dados biográficos - fazia um doutoramento na Sorbonne e que ele e os amigos iam revolucionar o mundo. Planeavam um regresso à troca direta, tornando o sistema financeiro inútil. Apesar da arrogância, própria de quem é jovem e acredita que compreende o mundo e o consegue mudar, fiquei com pena dele.
Uns minutos mais tarde voltei a cruzar-me com o jovem revolucionário, que sentado na sala de espera lia uma revista. Mais uma vez não resisti ao meu voyeurismo e desviei-me uns metros do meu trajecto para conseguir ver o título da publicação. Lia a Vogue.

Estou a reler Os Demónios de Dostoievski (a tradução do António Pescada, na Relógio de Água, faz-me sentir que o estou a ler pela primeira vez)  e lembrei-me da personagem do café da Campanhã.    

3 comentários:

  1. Belo post.Ser jovem revolucionário e querer mudar o mundo não é grave. Isso costuma passar com a idade. Veja-se onde acabaram os jovens revolucionários dos anos 60.

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  2. Querer mudar o mundo até pode ser um sentimento muito nobre. Mas chateia-me nestas personagens a arrogância de quem se pudesse fazia o mundo à sua imagem, passando por cima de tudo e todos.

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  3. O meu pai chama-lhes comunistas aspirantes a fascistas. Facto e' que ainda nao conheci um unico que apregoasse o altruismo e a reparticao com os pobres que nao tivesse comprado um mercedes assim que juntou uns trocos.

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